terça-feira, 15 de setembro de 2009

Fotogramas

Fotogramas
Por Valéria Motta

Frestas do cotidiano
Momentos de ilusão urbana
Refração, íris e ilusão
Imagem de caledoscópio
Cidade que por um instante torna-se vão
Vitrines opacas
sentimentos mundanos
travessia exausta
neste tempo que maltrata
saudade picotada
acordes sibilados
numa acústica de lata
nuvem que pesa, engarrafa e afunda
palavras esquecidas
na roda do meio que fica

Tempos e Movimentos Continuação

Tempos e movimentos em processo
por Valéria Motta

Continuação...

Movimento Cinco – o troco

Já abri e fechei este jornal umas mil vezes. A rejeição nos coloca na espécie dos animais ridículos. Tudo bem, faz parte.... mas é o que me resta neste cotidiano de pautas tão vazias. Acordo, pego uma vasilha de passas secas, encho a boca cheia de fome e sinto aquele azedinho escorrendo pelo maxilar. Gosto de mastigar a dor logo que acordo. E entre uma golada e outra de café frio percorro aqueles nomes todos. Qual deles me dará a chave certa? A forma como ela me deixou plantada naquele bar é mais do que um fora, é mais do que uma certeza. É nódoa, é travo, é mordida no doce que nunca comemos. Por isso devoro tantas passas num só golpe. Preciso engolir minhas escolhas. Detetive Marcondes, ou simplesmente Senhor Y? Que diferença faz quando tudo que preciso é municiar meus dias com o cotidiano dela. Só quero brincar de títere, voltar a sorrir ao marcar no relógio esses ponteiros que ainda insistem na minha sombra. Cada hora longe do meu amor é delírio deambulatório. Cheio de preces vazias e esperanças esgarçadas por palavras esquecidas. Mas não esmoreço até completar o quebra cabeças, até dizer... sim, agora, tenho controle. Sei dos seus hábitos, mulheres, traições. Sei da fragilidade, medos... sei do que já posso fazer com você. E antes de enroscar minha língua cálida na sua, quero esfregar no seu nariz afilado toda sordidez do seu caráter. Seu egoísmo, juro, vai se transformar em papel de bala pranteada... que farei questão de cuspir depois da festa. Sorvo o resto do café gélido, dobro o jornal e amanheço o dia com mais coragem.

Movimento Seis – o pacto.

Me recebeu com hiatos longos. E eu desabei como fruta madura, despejando dor e mágoa em cima daquela escrivaninha escura e cheia de anotações. Um copo d´água tirada de uma moringa – sim , tem gente que ainda usa moringa... - um lenço de linho branco esticado no ar, uma palavra de conforto. Ele sabia como corrigir cada nota da minha destoada espécie, afinal era um profissional do desespero alheio. Anotava minhas súplicas enquanto me afundava naquela poltrona de curvin verde musgo. Cada lembrança me esquentava a nuca. Agora sei como confessar é doloroso. Contei todos os detalhes, não escondi nada. Primeiro encontro, beijo roubado na biblioteca, trepadas na minha casa, telefonemas insones. Enumerei registros, abusos, risos e alegrias. Não podia voltar atrás. Não depois de revelar para aquele homem de faces encovadas o amor mais lindo que já tive em minhas mãos. Amor de cor nanquim, que mancha a folha branca, embebeda a caligrafia e torna o bem querer errante. Afundei mais até não sentir meus saltos tocar o chão. Por um instante quis desistir, escorrer pelo carpete cinza rato e sumir em qualquer beco por aí. Mas ele definitivamente não tinha pressa. Me ofereceu outro lenço de linho branco – devia ter uma coleção dentro daquele paletó - e esperou meu peito cessar, o olho ficar no lugar e braços se aquietarem no corpo. Por fim , deu um leve sorriso, subiu persianas empoeiradas, estendeu sua mão descarnada e ofereceu seu cartão , selando nosso pacto. Estava dada a largada. Era hora de mudar de paisagem e flanar com o gozo da futura vingança nos olhos.

Movimento Sete – a armadilha

Na vitrine, palavras penduradas. Folhas espalhadas, cheiro de papel e tinta. Ela com seu olhar de mar profundo, perdia seus dedos por entre os cabelos displicentemente e sequer percebia o quanto me aproximava. Sorrateira, fui quase um sopro no seu ouvido.

- Tão linda...

Ela se assustou, olhou ao redor, mas não me viu. Mergulhara meus óculos gigantes dentro da bolsa cheia de compartimentos. Para seduzir é preciso o saber feminino. Qual momento certo para disparar a intimidade casual. Sim, nós mulheres, temos esta liga preciosa dentro de nós. Basta um incidente, uma compaixão e pronto, o sofrimento já está misturado. E neste repertório, sou boa. Conheço todas as deixas e jamais deixo mulher minha terminar a frase. É um segredo, confesso. Espiei por debaixo das lentes, o momento certo da corte. Poderia me adiantar, forçar alguma situação, mas nada como pedir para o destino ser gentil com você. E assim, segui de mãos dadas com a minha natureza e esperei em silêncio que uma corrente de ar a conduzisse para dentro daquela livraria. Sorri quando a folha pendurada no varal das ilusões voou em círculos até cair bem na sua frente. Aí sim, ela poderia me ver e perguntar.

- É seu?

A pauta já tinha sua primeira nota, e o tom sabia de cor. Um sorriso, agradecimentos, um chá de rosas, troca de inconfidências, horas que passam aos galopes. E no começo da noite, minha mão na cintura dela se encarregaria de fazer o resto. Hoje durmo feliz, com pêlos eriçados, boca suada e peito inchado. Mais uma que se perde como veia azulada na pele alva.

domingo, 6 de setembro de 2009

Teclando solto: saber do outro

Talvez falte um pouco de sensibilidade. O mundo de cada um já não é tão microscópio. Hiperexposição de tudo: gostos, uma ida ao cinema... Olhares observam uns aos outros. Há interesse, intensidade, desdém.

A atenção em coisas tolas, em conversas soltas, em pessoas rasas, preenchem o tempo. O mundo parece consumido na mediocridade, na quantidade, na rapidez funcional do ser.

Objetivos pensados, às vezes rabiscados em um papel, não encontram lugar nos minutos do dia.

O imediato se converte em egoísmo. A relação entre as pessoas se torna um mercado de trocas.

Mas não se tem ideia do quanto uma palavra pode influenciar, magoar, alegrar, uma outra pessoa.

São limites sensíveis, explorados, superficializados, nos formatos de relacionamento de hoje.

Talvez falte um pouco de sensibilidade para definir os limites do "saber do outro".

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Construindo Personagem 2: O Chefe

Boris Krausser trabalha há mais de vinte anos no mesmo instituto de pesquisa. Já passou por várias chefias e coordenações, quase sempre em cargos de liderança. Seu temperamento estável, seu domínio da oratória, sua rapidez de raciocínio, escondem muitas vezes a sua falta de conhecimento e ignorância em vários assuntos. Consegue, com muito êxito, motivar sua equipe, seus colegas, para o trabalho. É, pois então, caristmático.
Odeia Sara Blota. Ela significa muito daquilo que ele queria e não pode ser. Porém, a quer sempre por perto, para saber de suas atitudes, seus passos, saber com quem fala, com quem anda, saber de tudo da vida dela. É, sem dúvida, sua melhor funcionária.
Quando descobriu que Sara tinha um diário, quase enloqueceu de vez. Pensou que não ia controlar a sua reação na frente de todos. Ela falou sobre isso com tanta naturalidade numa bate-papo de corredor.
Não podia ser! Ela, assim, de repente, escrevendo sobre a vida? Escrevendo sobre o que lhe vem a cabeça? Não pode ser!
Boris deseja ser poeta, ser comparado a Fernando Pessoa. Mas não consegue escrever nada, construir uma mísera frase. Não consegue definitivamente criar.
Seu poder de oratória se limita a falar do que já escrito, do já falado. Sara com um diário? E ele sem escrever uma mísera frase...Que mundo injusto!
Estava arrasado, corroído. Nada importam seus títulos, seu cargo, suas conquistas...Sara sempre o supera, está passos a sua frente.
Isso o atormenta, o destrói por dentro. E assim, em sua invejosa fragilidade, que os seus segredos e desejos irão se revelar nessa pequena história.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sara Blota

Ai que vontade de soltar um berro, mas um grande, histérico berro! Que raiva, que ódio! Ódio de mim! Como eu queria me matar! Matar essa coisa que eu sinto, essa porra de vontade de ficar com ele de novo. Eu sei que ele não me merece. É um imbecil, um idiota. Não dá a menor importância, o menor valor pra mim. Ele me ignora completamente. Hoje nem me chamou pra almoçar com ele! Chamou todo mundo. Se não fosse a Betinha me chamar, eu nem teria ido. E eu fui! A demente aqui, foi! Ainda fiquei vendo ele todo alegrinho, conversando com todo mundo e me cedendo o poder da invisibilidade.
Comé que pode? Eu devo ter alguma coisa autodestrutiva que tá encroada em mim. Deve ser. E como é que eu tiro isso? Eu tou me odiando!
Ah, não! Não! Eu não deixar de gostar de mim não! Levei anos, anos de análise, anos de terapia para me conquistar. Não que tenha sido tãoooo difícil, tenho que reconhecer. Apenas trabalhoso. Mas não vai ser um rapazinho qualquer que vai tirar isso de mim, que vai me deixar desse jeito! Não vai! Ele não perde por esperar!
Quer ver que ele vai voltar pra mim? Vai vir aqui, na minha mão. Vai me querer de novo. Ah, se vai! E sabe o que eu vou fazer? Eu vou esnobar. Posso tá roxa de vontade na hora, mas vou fingir que não tou nem aí pro garotão. Ele não vai nem acreditar. ...Nem eu.
Mas quando que esse viado vai me procurar? Será que vai demorar?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Angustia

Quase não consigo respirar
Sufoco
A palavra morre antes mesmo de ser parida
O corpo inteiro se aperta por dentro
Minúscula, impotente
O coração não é mais o peito
É um corpo inteiro, e tão barulhento
Ensurdecedor

O corpo tem um invólucro sensível a tudo
Irritadiço, relutante
Algo vai explodir a qualquer minuto
E explode dentro de mim
Tudo esquenta
Parece que não vai caber mais no corpo
Alguns minutos que parecem eternidade
Tremor

Finalmente tudo cessa
Tenho, em fim a única certeza
Morreu alguma coisa
Ainda não sei o que
Mas algo é certo
A dor
Latente
E no ouvido ainda escuto ...

Por: Vanessa Lucena
Mistery

He is running. The main plan is to not stop running at least until he reaches the sands of Big Bay.
He looks behind him and he sees none. He carries on, step after step, keeping the rhythm, cutting fast through leaves that were so broad that could hold the water better then his two palm put together. He keeps running. So fast that he hurts his arms on bits of trees, and doesn’t even notice, he doesn’t even care. He is concentrating where he should put his next foot to not have it trap between rocks. The jungle is getting thick, and he is getting tired. The salty sweat start’s now to smoulder his eyes. He barely can see the way ahead. Still he carries on…
Suddenly he stops, resting his hands in both knees, and for a moment he finds himself shaking his head side to side like a thirsty dog trying to suck all air around him. Despair. He knows he needs to keep going. Just one more step, he keep repeating to himself, trying to sound believable enough to not give up.
He turn his head back, he definitely can see none, so he try to concentrate, again. it’s impossible to keep up, still he need to carry on, the dryness in his mouth is making his tongue swallow and rough, so he tries to remember the words of his dad “Every step that you take forwards you’ll get you further away from the problem and more close to the solution”. He looked at the sky; just to be sure he still had enough time…before the day breaks. One more step, and the problems will be left behind… “Co’ mom!”
Finally he reaches the Big Bay, the sand is cold, and the ocean is now so far out, that he could barely distinguish between sea or sand, he start to walk towards the vast blackness in front of him. ….. He waits before throwing himself into the cold water. The only think he can hear is the unremitting sound of the waves breaking into the shore. Slowly he swims away, and the black silhouette of the island start to get smaller till finally disappear into the darkness… silently the nothingness finally embraces him.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

pensamentos

pensamentos

por Valéria Motta

Meu papéis viraram ninhos, flocos brancos babados de coriza e cansaço. É tarde e não me convenço disso... Mas insito, com coluna empilhada, bunda enformada e olho vermelho. Sinto o limite do físico e odeio isso. O sono desregula, corpo desenforma... incrível como é chato. Incrível como é rápido. De uma hora para a outra, ele dá seu aviso prévio, uma revolução ao contrário. Uma turbulência em descompasso. E não adianta reclamar, porque ninguém dá ouvidos. Segue maturando sei lá o quê ( como se fosse possível ainda, maturar...) Parece rir , ao me ver brigando com minhas dobras , reclamando do barulho dos meus ossos, sinfonia de articulações que sempre acabam num nó cego. E a vista embaralha porque não lhe resta outra alternativa. E assim sigo com uma lista de paliativos. Viver agora é assim, com paliativos. E ainda tem o desconforto das descobertas sutis. Os dedos que sempre descobrem um novo pelo. Daqueles duros e imperativos, que te obrigam a apertar o olho e pegar em armas. Sim, envelhecer é ter pelos indesejáveis... pentelhos brancos, flancos generosos e desejos aguados. O fogo vai para a oralidade, quando o corpo pede descanso. E nisso não vejo vantagem. Sempre fui dos calores, dos espelhos suados. Mas a busca do encaixe cansa, melhor facilitar e guardar energia. Sem grandes extravagâncias. Nem muito sal, nem muito doce, a experiência pede temperança. Não aguento, juro. Esse amornar contemplativo, essa calma na boca nunca me serviu. Quero serpente sibilando e traduzindo no corpo, minhas loucuras vividas. Quero compasso marcado e não acordes dissonantes. Não quero nada que me faça pensar...
OI, FUTURO

Porque ele fez isso comigo, cafajeste... Me dar o fora assim, com a maior calma do mundo. Nem esperou a gente assistir a peça. Que que eu faço com o ingresso agora. A gente ia casar... eu achava. Agora to aqui sozinha, com a maquiagem toda borrada. Pelo menos nesse salão não tem ninguém pra olhar pra mim. Só essas fotos, desenhos... e essa mulher que não para de falar. Parece eu, pensando, a cabeça não para. Essa noiva, devia ser eu. O rosto explodindo de felicidade. Agora, to toda amassada... Igual a essa outra aí. To angustiada, toda amarrada, em laços azuis, da cor da minha tristeza. Dividida em pedaços, toda desmontada. Será que alguém consegue me juntar, fazer-me inteira de novo... Estou nua. Frágil. Indefesa. Será que alguém me vê, alguém me quer... Ta tudo vermelho... Fora de foco. Essas mensagens... Amor, ódio, tesão. Saudades... Muita raiva. To molhada. Mas pra quem... Não tem ninguém aqui, só eu. E esses sons, cores... sensações. Me vejo refletida, múltipla. Pra quê tantos eus. Pra quem essas fotos, essas imagens, vídeos... só pra ampliar minha cara manchada de rimel. Será que por esse caminho eu chego ao céu... Que falo... me sinto penetrada, perfurada por este pau frio, cortante, gelado. Nem a poesia me salva. Pássaros, pedra, chuva... nada me atinge. Não sinto nada. Sou uma cópia mal-feita de mim mesma. Mas quem sabe não é uma forma de recomeçar... Achar a menina que fui e que se perdeu de mim tantos anos atrás. Minha inocência de volta, será possível... Olhar pra dentro de mim. Talvez seja uma saída. Ou ao menos um novo começo.

A espreita

A espreita

Meu perfume exala, no seu poro. E o toque, sei, é no osso do sentimento. Exposto. Tudo se contrai, tudo se expande, intumesce. Não sinto a linha da dor atravessar a vértebra, nem o desencaixe frouxo das porcas que se perderam pelo caminho. Apenas recolho esticando o que ainda me resta, aquelas pequenas pérolas. Areia que adentra, ampulheta que afina... o tempo. Agora te toco num sopro suave, faço desenhos que se desmancham de tão etéreos. Respiro com a narina quente e peço para aqueçer a alma lavada de mar. Te peço, apenas: ame por mim na sua cama de lencóis brancos. Seja feliz na aurora, afunde em outras pernas e depois, quem sabe... te espreito e convido a subir escadarias e ser novamente, tormenta.

Valéria Motta