segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Menos um

Valéria Motta


Coleciono noites, sapatos e pontas de cigarro. Escrevo com elas caminhos de cinza e gozo. E termino auroras em andaimes bêbados. É preciso manter o equilíbrio quando tudo gira em volta. Sopro e rodopio... beijos guardados e guardanapos de papel. Sigo à procura daquela curva que derrapa cada vez que chove no céu da boca e mastigo o embaraço do encontro sinuoso. Desviar sempre foi meu forte, falar nem tanto. O silêncio me pontua, mas é preciso provocar para que tudo se mantenha em algum lugar. Lugar que empalidece como sangue que se esvai do rosto. Lugar que não deixou de existir abruptamente.
Em tardes inchadas pelo mormaço desta voz que ainda ecoa, tropeço em calçados virados, pequenos obstáculos cotidianos. E lembro, por instantes, que não soletrei todas as silábas... comi o tempo antes que me devorasse. Instinto de preservação, talvez. Depois, mergulho a dor em bacias de gelo, respiro fundo, encadeio palavras de amor num ritmo sincopado e busco filetes de prazer perdidos em alguma gaveta. Encaro a noite de frente e acordo numa cama moldada pelo corpo que já fui. Solidão em reticências... menos um.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Dancing

Dancing

valéria Motta

Colocou suas mãos magras no balcão e fez sinal para Francismar, que veio rápido com seus olhos cheios de oceano.
- Já tá indo?
- Muita mulher hoje. Estou com disposição, não.
-Mas tu é mesmo um cara esquisito, hein? Uma fila de pernas louca pra riscar o salão e o senhor desdenhando.
- Já viu a qualidade da fila?
Francismar dá uma conferida discreta e sorri de boca fechada, assentando com suas pestanas compridas.
- Realmente... o mar, hoje, não está pra peixe.
- Deixa que na quarta lanço minha rede.
- E pra quê esperar até quarta? A semana está só começando, homem.
- Vivo só disso não, Francismar. Te devo quanto?
- Só foi uma cervejinha e uma porção de tremoços.
Retira do bolso algumas notas amarfanhadas, deixa sobre o balcão e se despede.
- Pode ficar com o troco.
Desce as escadarias do dancing sem a menor pressa. Cada degrau um acorde naquela sinfonia de cheia de mistérios e solidão. O choro da sua última cliente ainda grudava na sua retina.
- Acabou com meu estoque de lenços presidente... mulheres.
E balança a cabeça como quem se pergunta com quantas entranhas se faz uma alma feminina.
- Para soltar uma informação precisa dar mil voltas... e gastar um balde de lágrimas. Na próxima, cobro adicional de insalubridade. Hormônio em excesso dá nisso.
E acende seu último cigarro enquanto a banda afina seus instrumentos, pernas se ajeitam nas meias e as mãos de Francismar inundam de breu aquele imenso assoalho de parquet.
- Não quero saber de dama nenhuma caindo no chão hoje, hein?
- Mas é segunda, Francismar.
- E daí? Salão tem ritual, dona Imaculada. Não se pode sonhar no limbo, não é mesmo?
Imaculada apenas concorda com um aceno de cabeça e cutuca as demais que repetem o gesto, com suas cintas apertando as costas e dando cintura num corpo que há muito se multiplicara.
- Esta cinta é um espetáculo, Leninha. Em uma hora a gente desce um manequim.
- E tu acha que tô com essa falta de ar aqui, por quê? Acabei de descer dois números, filha.
- Danada...
- Só espero que eles não ataquem de soltinho... com esse aperto aqui só consigo ir até o samba canção e olhe lá!
Metais afinam enchendo a casa com o suingue norte americano. Não seria uma noite fácil para ninguém. Movimento fraco, banda enrolando, Franscimar contando as mesas, mulheres na sua ilusão de começo de semana e ele com seu corpo magro, terno de linho creme e sapato de amarrar bicolor, se deixando levar para casa com suas rodelas de fumaça, seus dedos compridos e o balanço do molho de chaves.
Até que... estanca ao vê-la retirando de dentro do sutiã uma nota enrolada e pagando gentilmente ao porteiro Big Jeff –misto de segurança, porteiro, dançarino de aluguel e cantor nas horas vagas.
- Brigadinha, Jeff.
- Já disse que com a senhora não tem tempo ruim. Se tiver na lona, o big libera.
Ela apenas sorri com os olhos, ajeita a cintura na saia rodada e sobe as escadas com o frisson da juventude. Esperança na ponta dos lábios, coração aos pulos e o corpo nervoso. Gostava desta sensação de descoberta, de coxia em dia de estréia. Quantos rodopios seriam necessários para que o tempo parasse e tudo ser como o deseja manda? Só a chama nascendo do enlace e o salão abrindo seus braços de grandes janelas. No fundo, dancing só servia para este instante e nada mais. Estava com a esperança acolhida no meio dos seios, liberta e feliz. E passou leve sem nem olhar para os lados.
Mas ele notou... e suspirou longamente como quem aprisiona aquele aroma que subia as escadas e se misturava ao tabaco. Algo de rosa, cravo, e um cítrico para amenizar este amargor que sempre tivera em sua língua. Que segunda feira seria essa... há muito não sentia um cheiro tão intenso assim. E tinha medo, seria capaz de confessar depois. Era hora de negociar num único murmúrio.
- Vou pagar pra ver, mas nada de umedecer a boca com palavras levianas, Macedo. Nada, hein?
Big Jeff na malandragem de quem conhece todos os degraus, sacudiu sua imensidão e brincou.
- E aí, doutor? Não resistiu, né?
- Fazer o quê, Big Jeff?
- A sorte é que tu mora em cima. Vai ser façinho.
- Aí , é tu que tá dizendo...
E o suingue já corria solto pelo salão. Era preciso subir aos atropelos. Antes que a perdesse completamente. Tem sempre alguém na esquina da pista pronto para pegar a dama alheia. Não queira dar esta chance, mas também não faria a corte. Só queria olhá-la com quem vê um filme milhares de vezes e depois se perder no ladrilho suado do banheiro. Será que já está dançando?
Conforme balançava seus ossos magros naquele retorno inesperado, ia desvendando aquela silhueta perfeita. Era linda... seios cheios, anca larga e pernas desenhadas a bico de pena. Tinha carne no lugar certo, nem magra demais – como ele – e nem gorda como a fileira de pernas que coroavam o salão. Era uma mulher que não se poderia deixar passar em branco... ela pedia assinatura.
Quando apontou no salão, sentiu-se como na primeira vez. Garoto de dezessete anos. Cabelo gomalinado, terno emprestado, sapato vulcabrás e olhar de espanto e gozo. Mulheres dançavam lânguidas de olhos fechados, casais faziam firulas no meio do salão e ele se embebedava de Cuba libre, sentindo-se pela primeira vez homem. Incrível como sempre retornamos ao que fomos um dia... ingênuos. Mesmo tendo passado bem dos 40, prateado as têmporas, vincado o rosto e encapado os dentes... ainda assim, ele se sentiu um menino diante de uma mulher como aquela. Cheia de liberdade nos olhos e fogo no corpo. E antes mesmo de pedir mais uma cerveja para meu fiel Francismar, ela já veio ao seu encontro com sua bolsinha de bolinhas brancas.
- Perdi muita coisa da banda?
- Só um set.
- Menos mal. Quer dançar comigo?
Assim direta como criança que pede uma bala. Ficou sem ação. Francismar só iluminou seus olhos, como quem vê uma grande onda e sorriu discretamente. Assenti num monossílabo, ela sorriu e enrolou seus cabelos para o alto com as mãos. Tirou um grampo de dentro do sutiã e deixou alguns fios caírem no rosto, emoldurando o desejo dele. Achou graça.
O fox se transformou num bolero, quando o trombone deu o primeiro acorde. Sabia que era daqueles que se dançava trançando as pernas, como um gato que serpenteia o chão. Beijou a mão da dama e a conduziu suavemente para a ronda do salão. Agora era tudo ou nada.

Sempre gostei de dançar na segunda feira. É bom quando os começos tem cheiro de fim de noite. Chão espelhando passos, gotas miúdas de ilusão descendo pela coluna e um leve aspirar de sonho. Este ritual semanal riscando na alma um único recado: a vida é rodopio, vamos nos divertir. Este é meu lema, por isso corro os dancings desta cidade atrás do giro perfeito. Será que este magrelo com cara de filme noir vai conseguir rodar a manivela até o tempo parar? E sermos apenas eixo, força que brota do olho do furacão? Não parece... mas se esforça.
A banda quebra o ritmo e dobra o tempo, começamos um pião de cruzar a pista e ele me olha com tanta intensidade que quase me convence de que tudo pode valer a pena. Sinto suas mãos desencarnadas apertando meu pulso, a distância entre nossos dorsos diminuindo gradativamente. Não, não foi pra isso que vim aqui. Gosto deste limite da física, muita proximidade quebra o encanto da rufada de ar no meio dos olhos. Sim, gosto quando sinto este leve sopro entre minhas sobrancelhas. É brisa leve que refresca memórias afetivas e nos faz rir de todas as ilusões perdidas.
Voltamos na cadência de um puladinho, um pé perseguindo o outro e o malemolejo dele é bom, não nego. Quase sinto os ossinhos do seu quadril roçando nas minhas fartas ancas. É bom, amacia o desejo. Será que com ele sigo pelo noite? Uma tirada de perna, um giro simples e o samba molha nossas testas, desfiando os desejos. Percebo a inveja daquela fileira de pernas brilhantes, com seus leques afoitos. Será que o cavalheiro não vai mudar de dama? Voltou aqui pra quê? Se perguntam entre uma golada e outra de coca cola com limão. Acho graça.
- Quer parar?
-Imagina. Agora é que vai começar o set que mais gosto.
- Milonga, acertei?
- Tango valse. Porque não gosto de parar unca.
E ele sorriu abaixando os olhos, como numa reverência.
- Primeiro tem que saber sofrer, depois amar
- Depois partir.
- Perfume de “ Naranja em flor... belo tango. Mas não é valse.
- Mas é minha vida. Vamos?
E a orquestra reinicia, agora com um bandoneón chorado... intenso... com seus veios de dor e saudade. Ele delicadamente subiu um pouco meu braço e me apertou num estilo bem milongueiro. Estava me convencendo o rapaz. Era bom dancarino, sim. Fazia o arranque com agilidade e cautela e me girava no pulso certo com muitos “oito cortados” e ganchos. Estava feliz, tinha que admitir. Mas não deixava transparecer. Uma dama nunca deve revelar o que seus olhos guardam, mesmo quando rodopia de olhos fechados. Se nos entregarmos, a contradança acaba... e o salão da nossa alma mofa com suas cortinas pesadas e seu chão em frangalhos. Não, esta chance ele não teria. Mesmo quando senti sua barba azulada gemendo no meu rosto...nem assim, consenti. O importante era não parar.
- Que linda...
Murmurou.
- Imagina...
Sempre falava isso quando palavras voavam pela minha cabeça... na falta, imaginar era sempre uma forma de ocupar espaço. Resposta vaga que pode dizer tudo que não queremos dizer. Imagina... o que realmente se passa dentro de mim agora, com esta música que rodopia aos borbotões , este homem tão leve como folha de seda e tão intenso como tabaco na boca. Não iria sucumbir ao ardor... juro.
Mas sucumbi.... sozinha no banheiro do dancing. Senti seu olhar desenhando minha coluna quando pedi licença para ir ao toalete logo que o set acabou, as pernas afoitas se descruzaram e os leques tamborilaram nas mesas. Ele deu um meio sorriso e me olhou como quem acaba de acordar.
- É rapidinho.
- Sou paciente.
E fui ajeitando a calcinha em cima da saia cinturada e as intenções expostas. O peito acelerava tanto que foi preciso molhar a nuca com água gelada antes que meus dedos se perdessem na noite mais escura que habita em mim. Súcubo com cheiro de laranja.
-Mulher não resiste a um toalete, não é não?
- Com certeza Franscimar... e essa pelo jeito, vai demorar.
- Mas a moça nem bebeu!
- Isso é o que você pensa.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

There

Noisily.
I get out .
The tidy bed.
Through the window I could feel the warm breeze
My eyes search at the blue bare walls while I listen to the emptiness of the day
I move forward
I open the drawer
Carefully
My eyes find tiny figures on the walls and
the room is immediately inundated by noises from the street.
Through the window I can see the imminent tempest.
Recklessy.
I close the drawer
I move backwards
The messy bed
I get in.
Quitely

I Belong

I belong.
To a time before the conscience.
Before the existence,
I belong.
To the story that was never told.
Now I belong to you.
You need to look at me…
I’m here
You haven’t notice me.
I’m your shame.
Believe me…
That the shame is your destiny…
I can feel you moving around me
We are breathing the same air in this very same time.
I know that sometimes I bring despair.
Still you want me.
Even when I’m ugly
You wait for me.
Even when I’m late
I was always at the side of your shadow face
I’m all the different many ways you can choose, but
I’m the only way that is going to happen.
I’m the absolute incomprehension, but
I don’t need to be understood.
Just felt.
I’m the one the pass by you everyday and you never notice.
I’m the only one.
I’m many more.
You ask for me.
I’m here now.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Fotogramas

Fotogramas
Por Valéria Motta

Frestas do cotidiano
Momentos de ilusão urbana
Refração, íris e ilusão
Imagem de caledoscópio
Cidade que por um instante torna-se vão
Vitrines opacas
sentimentos mundanos
travessia exausta
neste tempo que maltrata
saudade picotada
acordes sibilados
numa acústica de lata
nuvem que pesa, engarrafa e afunda
palavras esquecidas
na roda do meio que fica

Tempos e Movimentos Continuação

Tempos e movimentos em processo
por Valéria Motta

Continuação...

Movimento Cinco – o troco

Já abri e fechei este jornal umas mil vezes. A rejeição nos coloca na espécie dos animais ridículos. Tudo bem, faz parte.... mas é o que me resta neste cotidiano de pautas tão vazias. Acordo, pego uma vasilha de passas secas, encho a boca cheia de fome e sinto aquele azedinho escorrendo pelo maxilar. Gosto de mastigar a dor logo que acordo. E entre uma golada e outra de café frio percorro aqueles nomes todos. Qual deles me dará a chave certa? A forma como ela me deixou plantada naquele bar é mais do que um fora, é mais do que uma certeza. É nódoa, é travo, é mordida no doce que nunca comemos. Por isso devoro tantas passas num só golpe. Preciso engolir minhas escolhas. Detetive Marcondes, ou simplesmente Senhor Y? Que diferença faz quando tudo que preciso é municiar meus dias com o cotidiano dela. Só quero brincar de títere, voltar a sorrir ao marcar no relógio esses ponteiros que ainda insistem na minha sombra. Cada hora longe do meu amor é delírio deambulatório. Cheio de preces vazias e esperanças esgarçadas por palavras esquecidas. Mas não esmoreço até completar o quebra cabeças, até dizer... sim, agora, tenho controle. Sei dos seus hábitos, mulheres, traições. Sei da fragilidade, medos... sei do que já posso fazer com você. E antes de enroscar minha língua cálida na sua, quero esfregar no seu nariz afilado toda sordidez do seu caráter. Seu egoísmo, juro, vai se transformar em papel de bala pranteada... que farei questão de cuspir depois da festa. Sorvo o resto do café gélido, dobro o jornal e amanheço o dia com mais coragem.

Movimento Seis – o pacto.

Me recebeu com hiatos longos. E eu desabei como fruta madura, despejando dor e mágoa em cima daquela escrivaninha escura e cheia de anotações. Um copo d´água tirada de uma moringa – sim , tem gente que ainda usa moringa... - um lenço de linho branco esticado no ar, uma palavra de conforto. Ele sabia como corrigir cada nota da minha destoada espécie, afinal era um profissional do desespero alheio. Anotava minhas súplicas enquanto me afundava naquela poltrona de curvin verde musgo. Cada lembrança me esquentava a nuca. Agora sei como confessar é doloroso. Contei todos os detalhes, não escondi nada. Primeiro encontro, beijo roubado na biblioteca, trepadas na minha casa, telefonemas insones. Enumerei registros, abusos, risos e alegrias. Não podia voltar atrás. Não depois de revelar para aquele homem de faces encovadas o amor mais lindo que já tive em minhas mãos. Amor de cor nanquim, que mancha a folha branca, embebeda a caligrafia e torna o bem querer errante. Afundei mais até não sentir meus saltos tocar o chão. Por um instante quis desistir, escorrer pelo carpete cinza rato e sumir em qualquer beco por aí. Mas ele definitivamente não tinha pressa. Me ofereceu outro lenço de linho branco – devia ter uma coleção dentro daquele paletó - e esperou meu peito cessar, o olho ficar no lugar e braços se aquietarem no corpo. Por fim , deu um leve sorriso, subiu persianas empoeiradas, estendeu sua mão descarnada e ofereceu seu cartão , selando nosso pacto. Estava dada a largada. Era hora de mudar de paisagem e flanar com o gozo da futura vingança nos olhos.

Movimento Sete – a armadilha

Na vitrine, palavras penduradas. Folhas espalhadas, cheiro de papel e tinta. Ela com seu olhar de mar profundo, perdia seus dedos por entre os cabelos displicentemente e sequer percebia o quanto me aproximava. Sorrateira, fui quase um sopro no seu ouvido.

- Tão linda...

Ela se assustou, olhou ao redor, mas não me viu. Mergulhara meus óculos gigantes dentro da bolsa cheia de compartimentos. Para seduzir é preciso o saber feminino. Qual momento certo para disparar a intimidade casual. Sim, nós mulheres, temos esta liga preciosa dentro de nós. Basta um incidente, uma compaixão e pronto, o sofrimento já está misturado. E neste repertório, sou boa. Conheço todas as deixas e jamais deixo mulher minha terminar a frase. É um segredo, confesso. Espiei por debaixo das lentes, o momento certo da corte. Poderia me adiantar, forçar alguma situação, mas nada como pedir para o destino ser gentil com você. E assim, segui de mãos dadas com a minha natureza e esperei em silêncio que uma corrente de ar a conduzisse para dentro daquela livraria. Sorri quando a folha pendurada no varal das ilusões voou em círculos até cair bem na sua frente. Aí sim, ela poderia me ver e perguntar.

- É seu?

A pauta já tinha sua primeira nota, e o tom sabia de cor. Um sorriso, agradecimentos, um chá de rosas, troca de inconfidências, horas que passam aos galopes. E no começo da noite, minha mão na cintura dela se encarregaria de fazer o resto. Hoje durmo feliz, com pêlos eriçados, boca suada e peito inchado. Mais uma que se perde como veia azulada na pele alva.

domingo, 6 de setembro de 2009

Teclando solto: saber do outro

Talvez falte um pouco de sensibilidade. O mundo de cada um já não é tão microscópio. Hiperexposição de tudo: gostos, uma ida ao cinema... Olhares observam uns aos outros. Há interesse, intensidade, desdém.

A atenção em coisas tolas, em conversas soltas, em pessoas rasas, preenchem o tempo. O mundo parece consumido na mediocridade, na quantidade, na rapidez funcional do ser.

Objetivos pensados, às vezes rabiscados em um papel, não encontram lugar nos minutos do dia.

O imediato se converte em egoísmo. A relação entre as pessoas se torna um mercado de trocas.

Mas não se tem ideia do quanto uma palavra pode influenciar, magoar, alegrar, uma outra pessoa.

São limites sensíveis, explorados, superficializados, nos formatos de relacionamento de hoje.

Talvez falte um pouco de sensibilidade para definir os limites do "saber do outro".

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Construindo Personagem 2: O Chefe

Boris Krausser trabalha há mais de vinte anos no mesmo instituto de pesquisa. Já passou por várias chefias e coordenações, quase sempre em cargos de liderança. Seu temperamento estável, seu domínio da oratória, sua rapidez de raciocínio, escondem muitas vezes a sua falta de conhecimento e ignorância em vários assuntos. Consegue, com muito êxito, motivar sua equipe, seus colegas, para o trabalho. É, pois então, caristmático.
Odeia Sara Blota. Ela significa muito daquilo que ele queria e não pode ser. Porém, a quer sempre por perto, para saber de suas atitudes, seus passos, saber com quem fala, com quem anda, saber de tudo da vida dela. É, sem dúvida, sua melhor funcionária.
Quando descobriu que Sara tinha um diário, quase enloqueceu de vez. Pensou que não ia controlar a sua reação na frente de todos. Ela falou sobre isso com tanta naturalidade numa bate-papo de corredor.
Não podia ser! Ela, assim, de repente, escrevendo sobre a vida? Escrevendo sobre o que lhe vem a cabeça? Não pode ser!
Boris deseja ser poeta, ser comparado a Fernando Pessoa. Mas não consegue escrever nada, construir uma mísera frase. Não consegue definitivamente criar.
Seu poder de oratória se limita a falar do que já escrito, do já falado. Sara com um diário? E ele sem escrever uma mísera frase...Que mundo injusto!
Estava arrasado, corroído. Nada importam seus títulos, seu cargo, suas conquistas...Sara sempre o supera, está passos a sua frente.
Isso o atormenta, o destrói por dentro. E assim, em sua invejosa fragilidade, que os seus segredos e desejos irão se revelar nessa pequena história.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sara Blota

Ai que vontade de soltar um berro, mas um grande, histérico berro! Que raiva, que ódio! Ódio de mim! Como eu queria me matar! Matar essa coisa que eu sinto, essa porra de vontade de ficar com ele de novo. Eu sei que ele não me merece. É um imbecil, um idiota. Não dá a menor importância, o menor valor pra mim. Ele me ignora completamente. Hoje nem me chamou pra almoçar com ele! Chamou todo mundo. Se não fosse a Betinha me chamar, eu nem teria ido. E eu fui! A demente aqui, foi! Ainda fiquei vendo ele todo alegrinho, conversando com todo mundo e me cedendo o poder da invisibilidade.
Comé que pode? Eu devo ter alguma coisa autodestrutiva que tá encroada em mim. Deve ser. E como é que eu tiro isso? Eu tou me odiando!
Ah, não! Não! Eu não deixar de gostar de mim não! Levei anos, anos de análise, anos de terapia para me conquistar. Não que tenha sido tãoooo difícil, tenho que reconhecer. Apenas trabalhoso. Mas não vai ser um rapazinho qualquer que vai tirar isso de mim, que vai me deixar desse jeito! Não vai! Ele não perde por esperar!
Quer ver que ele vai voltar pra mim? Vai vir aqui, na minha mão. Vai me querer de novo. Ah, se vai! E sabe o que eu vou fazer? Eu vou esnobar. Posso tá roxa de vontade na hora, mas vou fingir que não tou nem aí pro garotão. Ele não vai nem acreditar. ...Nem eu.
Mas quando que esse viado vai me procurar? Será que vai demorar?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Angustia

Quase não consigo respirar
Sufoco
A palavra morre antes mesmo de ser parida
O corpo inteiro se aperta por dentro
Minúscula, impotente
O coração não é mais o peito
É um corpo inteiro, e tão barulhento
Ensurdecedor

O corpo tem um invólucro sensível a tudo
Irritadiço, relutante
Algo vai explodir a qualquer minuto
E explode dentro de mim
Tudo esquenta
Parece que não vai caber mais no corpo
Alguns minutos que parecem eternidade
Tremor

Finalmente tudo cessa
Tenho, em fim a única certeza
Morreu alguma coisa
Ainda não sei o que
Mas algo é certo
A dor
Latente
E no ouvido ainda escuto ...

Por: Vanessa Lucena
Mistery

He is running. The main plan is to not stop running at least until he reaches the sands of Big Bay.
He looks behind him and he sees none. He carries on, step after step, keeping the rhythm, cutting fast through leaves that were so broad that could hold the water better then his two palm put together. He keeps running. So fast that he hurts his arms on bits of trees, and doesn’t even notice, he doesn’t even care. He is concentrating where he should put his next foot to not have it trap between rocks. The jungle is getting thick, and he is getting tired. The salty sweat start’s now to smoulder his eyes. He barely can see the way ahead. Still he carries on…
Suddenly he stops, resting his hands in both knees, and for a moment he finds himself shaking his head side to side like a thirsty dog trying to suck all air around him. Despair. He knows he needs to keep going. Just one more step, he keep repeating to himself, trying to sound believable enough to not give up.
He turn his head back, he definitely can see none, so he try to concentrate, again. it’s impossible to keep up, still he need to carry on, the dryness in his mouth is making his tongue swallow and rough, so he tries to remember the words of his dad “Every step that you take forwards you’ll get you further away from the problem and more close to the solution”. He looked at the sky; just to be sure he still had enough time…before the day breaks. One more step, and the problems will be left behind… “Co’ mom!”
Finally he reaches the Big Bay, the sand is cold, and the ocean is now so far out, that he could barely distinguish between sea or sand, he start to walk towards the vast blackness in front of him. ….. He waits before throwing himself into the cold water. The only think he can hear is the unremitting sound of the waves breaking into the shore. Slowly he swims away, and the black silhouette of the island start to get smaller till finally disappear into the darkness… silently the nothingness finally embraces him.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

pensamentos

pensamentos

por Valéria Motta

Meu papéis viraram ninhos, flocos brancos babados de coriza e cansaço. É tarde e não me convenço disso... Mas insito, com coluna empilhada, bunda enformada e olho vermelho. Sinto o limite do físico e odeio isso. O sono desregula, corpo desenforma... incrível como é chato. Incrível como é rápido. De uma hora para a outra, ele dá seu aviso prévio, uma revolução ao contrário. Uma turbulência em descompasso. E não adianta reclamar, porque ninguém dá ouvidos. Segue maturando sei lá o quê ( como se fosse possível ainda, maturar...) Parece rir , ao me ver brigando com minhas dobras , reclamando do barulho dos meus ossos, sinfonia de articulações que sempre acabam num nó cego. E a vista embaralha porque não lhe resta outra alternativa. E assim sigo com uma lista de paliativos. Viver agora é assim, com paliativos. E ainda tem o desconforto das descobertas sutis. Os dedos que sempre descobrem um novo pelo. Daqueles duros e imperativos, que te obrigam a apertar o olho e pegar em armas. Sim, envelhecer é ter pelos indesejáveis... pentelhos brancos, flancos generosos e desejos aguados. O fogo vai para a oralidade, quando o corpo pede descanso. E nisso não vejo vantagem. Sempre fui dos calores, dos espelhos suados. Mas a busca do encaixe cansa, melhor facilitar e guardar energia. Sem grandes extravagâncias. Nem muito sal, nem muito doce, a experiência pede temperança. Não aguento, juro. Esse amornar contemplativo, essa calma na boca nunca me serviu. Quero serpente sibilando e traduzindo no corpo, minhas loucuras vividas. Quero compasso marcado e não acordes dissonantes. Não quero nada que me faça pensar...
OI, FUTURO

Porque ele fez isso comigo, cafajeste... Me dar o fora assim, com a maior calma do mundo. Nem esperou a gente assistir a peça. Que que eu faço com o ingresso agora. A gente ia casar... eu achava. Agora to aqui sozinha, com a maquiagem toda borrada. Pelo menos nesse salão não tem ninguém pra olhar pra mim. Só essas fotos, desenhos... e essa mulher que não para de falar. Parece eu, pensando, a cabeça não para. Essa noiva, devia ser eu. O rosto explodindo de felicidade. Agora, to toda amassada... Igual a essa outra aí. To angustiada, toda amarrada, em laços azuis, da cor da minha tristeza. Dividida em pedaços, toda desmontada. Será que alguém consegue me juntar, fazer-me inteira de novo... Estou nua. Frágil. Indefesa. Será que alguém me vê, alguém me quer... Ta tudo vermelho... Fora de foco. Essas mensagens... Amor, ódio, tesão. Saudades... Muita raiva. To molhada. Mas pra quem... Não tem ninguém aqui, só eu. E esses sons, cores... sensações. Me vejo refletida, múltipla. Pra quê tantos eus. Pra quem essas fotos, essas imagens, vídeos... só pra ampliar minha cara manchada de rimel. Será que por esse caminho eu chego ao céu... Que falo... me sinto penetrada, perfurada por este pau frio, cortante, gelado. Nem a poesia me salva. Pássaros, pedra, chuva... nada me atinge. Não sinto nada. Sou uma cópia mal-feita de mim mesma. Mas quem sabe não é uma forma de recomeçar... Achar a menina que fui e que se perdeu de mim tantos anos atrás. Minha inocência de volta, será possível... Olhar pra dentro de mim. Talvez seja uma saída. Ou ao menos um novo começo.

A espreita

A espreita

Meu perfume exala, no seu poro. E o toque, sei, é no osso do sentimento. Exposto. Tudo se contrai, tudo se expande, intumesce. Não sinto a linha da dor atravessar a vértebra, nem o desencaixe frouxo das porcas que se perderam pelo caminho. Apenas recolho esticando o que ainda me resta, aquelas pequenas pérolas. Areia que adentra, ampulheta que afina... o tempo. Agora te toco num sopro suave, faço desenhos que se desmancham de tão etéreos. Respiro com a narina quente e peço para aqueçer a alma lavada de mar. Te peço, apenas: ame por mim na sua cama de lencóis brancos. Seja feliz na aurora, afunde em outras pernas e depois, quem sabe... te espreito e convido a subir escadarias e ser novamente, tormenta.

Valéria Motta

Calcinhas Reais

Não sei se isso acontece com todas, mais, para mim, calcinha apertada é pior que espinha na ponta do nariz. Além de machucar, marca o corpo e denuncia a silhueta e não existe castigo pior para uma mulher que a calcinha apontar o que está sobrando. Gosto de usá-las, de certa forma me sinto protegida.
Isso já não acontece com o sutiã. Fico sem sutiã na boa, agora não consigo me livrar da calcinha. Outro dia a médica disse que eu podia experimentar dormir sem elas, que ia sentir liberdade. Tomei banho vesti uma camisola e deitei. Televisão, livro, nada de sono. Livro, televisão, hum uma coceirinha, opa não posso me coçar estou sem à parte de baixo! Aquilo me soou quase como experiência sexual. Fui direto ao banheiro, lavei as mãos deitei novamente, tentei abstrair, peguei um livro na pilha dos que estão ainda aguardando ser lidos. Quem sabe a novidade não iria me distrair? Acordei umas três da manha, com a luz incomodando, o livro realmente serviu, estava quase adormecendo quando lembrei que estava sem nada. Bem, se já tinha caído no sono antes, agora seria mole. Apaguei a luz e me cobri. Virei, virei, depois de quinze minutos contando carneirinhos e borboletas passei a contar calcinhas, na décima levantei e vesti uma - que alívio - dormi imediatamente.
Passei dias tentando esquecer aquele episódio virginal, comprei mais algumas para nunca faltar e foi lá, lá que encontrei a minha resposta, um livro que traz a história desta pequenina peça que há tempos atrás foi quase que uma calça e descobri que provavelmente pertenci a uma época em que coube a Rainha Vitória, da Inglaterra, convencer a massa a adotá-la como medida de decência. Fiquei pensando que talvez tenha vivido naquela corte e que quando Vitória ordenou que todas usassem a tal novidade eu tenha sido uma das primeiras a obedecer à ordem. Certo que Vitória disse que teriam que ser brancas, mas quem de nós consegue resistir a um coloridinho? Entre o conselho da médica e o da Rainha, fico com a Monarquia. Afinal que súdito discute a ordem de um soberano?

Dani Dias.

Sara Blota - na escola

Lembro dos meus dias infantis, principalmente da hora do recreio. Era hora em que eu ouvia o coro desafinado, odioso e personalizado: Sara Bolota, Sara Bolota, Sara Bolotaaaa! Bolotaaa!
Eu queria que meus tímpanos estourassem, que a terra se abrisse e eu caísse num silencioso abismo. Eu prefiria ser surda a ser obrigada a ouvir os moleques ridículos se divertindo às minhas custas.
Só que a vingança não tardou. Na adolescência, assumi o estilo boazuda, e sem qualquer esforço. Acho que meu corpo reagiu de maneira surpreendente aos estímulos negativos que eu ouvia quando criança. Eu daria um belo estudo científico, não?
Ignorei a existência de todos os meninos que faziam parte daquele coral do recreio da minha infancia. E eles tomaram um verdadeiro ódio por mim. Ou seja, a minha popularidade passou de desprezível a detestável.
Continuei fazendo parte do grupo de exclusão.
Nos estudos, meu desempenho sempre foi exemplar. O que aumentava o ódio dos populares.

domingo, 23 de agosto de 2009

Planeta Mulher

L1: Goll, gol, fala filha, chuta a bola.

L2: iaaaa.

C: Olha que linda, coisa mais linda da madrinha, não é linda amiga.

L1: Golll, chuta de novo.

D: É uma gracinha, já esta andando tudo.

L3: Só tem dez meses e já esta andando tudo, NE.

L1: Nossa ela não para um minuto, chuta filha, pega a bolinha.

D: Que fofa!

L3: Vó vem comer, tem torta salgada

L4: Olha que chegou L3.

L3: A tia que bom que veio, vem senta aqui fora na varanda.

C: Oi tia.

S: Oi meninas, oi, oi, tudo bem, aí você esta com uma barriga linda.

L3: Vem tia, quer beber alguma coisa, mãe pega torta pra minha Vó.

S: Quem é essa gracinha?

C: Essa que é a minha afilhada. Olha a cara de nervoso que ela faz, faz bebê.

L1: Vem filha vamos botar uma calça, esfriou, vem bebê.

C: Amiga aquela é a minha prima que o namorado descobriu que esta com Leucemia.

D: Hum, que merda, quantos anos ele tem?

C: Deve ter uns 26 anos, ele passou no concurso e aí logo depois descobriu a doença, e a quimioterapia não esta respondendo como deveria, olha a merda.

D: Porra Leucemia é foda.

C: Po amiga o cara novo, ela acabou de passar pra outro concurso. A empresa paga todo o tratamento dele.

D: Eles namoram há quanto tempo?

C: Acho que há quatro anos, merda, né?

D: É foda mesmo.

L3: Do que vocês estão falando?

D: Estamos aqui imaginando se você com essa barriga toda continua dando pro marido.

C: Tá normal? Você sempre foi cheia de coisa.

L3: A gente não ta dando, estou com muita secreção?

D: O que?

L3: É me deu muita secreção, às vezes fica saindo umas coisas de dentro, é estranho aí fico com nojo.

C: Então ele ta no cinco a um?

D: Cinco a um é muito bom!

C: O L1 quando você estava grávida, tu dava pro teu marido?

L1: Dava, ué é normal.

L3 Mais eu to tendo muita secreção.

L1: Mais eu também tive, tive cândida, um saco.

D: Ai que nojo.

L1: D. quer vinho?

D: Quero, hoje não estou dirigindo.

C: Uma merda esses guardas na rua.

D: Mais eu tenho uma técnica pra eles não me pararem, eu fico com óculo de grau, aí ninguém me para.

L1: Aé, isso é bom, porque os caras pensam logo que é nerd, essa nerd não bebe. Ih o bebê ta com sono, vou botar pra dormir, perai.

L3: Oi pensei que não vinham

A: Nossa que barriga linda.

B: Tá linda mesmo.

L3: Mãe elas que foram me visitar no carnaval. Eu nem sabia que estava grávida

B: Você volta quando?

L3: No próximo domingo.

A: E o Papai?

L3: Ficou lá. Come eu que fiz. Amiga me ajuda, bota essa torta lá.

D: Que isso?

L3: Pé de moça é com chocolate, prova é uma delícia.

C: Olha quem chegou.

Z: Oi, oi. Olha a grávida mais linda.

L3: Ai amiga obrigada, que bom que veio, senta, quer beber alguma coisa?

Z: Não amiga, por enquanto não. Cade a L1?

C: Foi botar o bebê pra Dormir.

B: Onde tem coca?

L: Vem amiga esta aqui fora.

S: que isso? Camisinha?

Z: Não é amostra grátis de maquiagem, aqui toma, pra você, já te dei?

C: Não, que isso?

Z: Toma. É amostra grátis.

L3: Que isso?

Z: Toma maquiagem, Tô trabalhando com isso agora.

C: Adoro, tenho muita maquiagem.

S: Ah também compro muito

Z: Toma.

L: E quais são as novidades em maquiagem pro inverno?

Z: Agora o boom é a maquiagem mineral.

C: E as cores?

Z: muito vermelho, rosa escuro.

L3: Vem tirar foto. Mãe tira foto aqui.

A: conta Lú, como esta em São Paulo?

L: Ai sinto tanta falta daqui.

B: Mais você continua no Guarujá?

C: Mãe fala baixo, o bebê ta dormindo.

L3: Continuo, mais lá é estranho, outro dia fui tomar um coco, o cara cobrou 4 reais, falei pra ele que não queria mais não.

A: Quatro reais!

L3: Lá as coisas são muito caras, Eles comem milho no prato, sabe esses pratinhos de plástico.

Z: Como assim?

L3: O cara da barraca pergunta se você quer na espiga ou no prato, fiquei com nojo daqueles milinho no prato.

L1: Por isso que você esta magrinha, não esta comendo nada.

L3: Tudo é mais caro, pra se depilar é trinta e cinco reais, tudo esquisito.

L4: Lú, mamãe já vai.

L3: Já vai vó? Mãe tira foto, vem tirar foto com a Vovó.

C: Vem Vó, tira esse casaco.

V: Tá frio não vou tirar, esse casaco tem trinta anos.

C Casaco feio.

V: casaco bom, o tecido é bom, esses de hoje em dia não duram nada.

L3: Mãe tira outra foto.

C: Vó leva bolo pra casa.

V: Não minha filha já comi muito.

C: Vocês vão ter que levar alguma coisa pra casa, vai sobrar muito.

A: Amiga também tenho que ir, tem aquele aniversario pra ir, vamos marcar alguma coisa essa semana?

L3: Vamos sim, obrigada por ter vindo, mãe tira foto. Você não vai não, senta aí de novo. Mãe tira outra foto essa não ficou boa.

As Voltas do Coração - Dani Dias

Venho lhe narrar uma passagem
Já lhe digo ser o tal do chavão
Mais decida ao escutar o advindo
E provoco narrar uma inovação
Quando o que se vai ventilar
São as armadilhas do coração

Sabe que vem da infância
Este lindo brotar de amor
Ao avistar certa menina
Seu peito ardia em calor
E ela arriscava esconder
A face variada pelo rubor

Passando por inocente brincadeira
Da infância ao surgir da mocidade
Eles nada diziam ou mencionavam
Mesmo assim era viva a ansiedade
Só não sabiam eles o que fazer
Para viver o amor em intensidade

Sobrevém que a fatalidade
Veio surpresa lhe apresentar
E episódio pior não podia ser
O rapaz estava pronto a se mudar
A agonia tomou conta do coração
Como podia a vida lhe ultimar

Com o coração melancólico
Sem qualquer notícia do amado
Eis que sem esperança aceita
Proposta de outro em noivado
Tinha esperança em ser feliz
E um dia gostar do pobre diabo

Com o casamento marcado
E os convites a entregar
Dava aflição olhar a mocinha
Com olhos vermelhos a chorar
Agora não podia desfazer
Só um milagre podia salvar

É chegado o dia do enlace
Eis que surgi um visitante
Ao entrar de branco na igreja
Reconhece o antigo amante
Dos olhos caem as lágrimas
Como ir o casamento adiante

No coração um forte pulsar
Sem pensar levou-a da cidade
Antes do sim ela consentir
Vivem os dois em prosperidade
E continuam a mandar aviso
Que a vida é só felicidade

Perdoe se narrei um clichê
Mais pode me levar uma costela
Se tiver uma estória melhor
Que tenha de suspense a donzela
Não adianta não vai encontrar
A de amor é sempre mais bela

O Encontro da Escrita - Dani Dias


Venho aqui lhe narrar

Como foi que sobreveio

O embate dessa escrita

Que é feita sem rodeio


Vindo do frio pro calor

E com anseio de cultivar

Pensou e versou em descobrir

Um jeito melhor de ensinar


Não podia ser distante

Não podia ser mais perfeito

Esse enlace tinha que ser

No recanto dum nobre sujeito


O que nenhum podia prevê

Quando deu o início do historiar

É que nem quando se dava o recreio

Eles desejavam cortar seu inventar


Assim foi permanecendo e esticando

O andamento dos amigo autor

Afeito aprimorado com encanto

Agora virou tudo escritor


Nessa confraria tem de tudo

Nessa aliança tudo sucede

Já surgiu crônica, poema

Agora tem até quem nos hospede


Tudo isso é muito bom

Tudo isso é de alegrar

Mais nada teria sentido

Se não existisse você a espiar


Estamos de portas abertas

Somos um coração a pulsar

Portanto esteja à vontade

De apreciar tudo e comentar

Construindo personagens 1: Sara Blota

Outra vez me vi imersa naquela ilusão. Novamente, pequenos gestos gentis, quase insignificante, tomaram uma dimensão tão absurda tirando a razão da minha compreensão. Como posso deixar arrebatar assim todas as minhas faculdades e ficar tão frágil e ridícula? Eu!? Uma Phd em Filosofia!
No auge dos meus 46 anos, dois casamentos, tenho ainda que passar por isso?
Meu corpo gordo, meu hálito doente, quer se aproximar, se insinuar. Será que, ao menos, ele me acha atraente? Não, não acha. Nem ele e, hoje em dia, ninguém. Eu me olho no espelho por obrigação, ou de que outra forma eu me arrumaria ou escovaria os dentes? Esse é o meu sacrifício diário! Se ainda eu acreditasse em Deus, pediria sua clemência para afastar de mim esse castigo.
Confesso que decidi ser mais vaidosa, cuidar mais de minha aparência. Isso faz dois dias. Mas já marquei o dermatologista! Quem sabe ele prescreve algum elixir que cuide de rugas e da pele ressecada sem ser obrigada a me submeter a horas de tratamentos enganosos de rejuvenescimento?
Prometi a mim mesma também que iria frequentar toda a semana o salão de beleza (paciência que me ajude!) e me resignar a ler com olhos complacentes as inúmeras revistas de reportagens forçosamente simpáticas com detalhes superficiais sobre a vida de celebridades que mal conheço.
Essas decisões devem ser as consequências de eu me apaixonar por um rapaz mais novo...
Talvez a monotonia do meu casamento, a falta de desafios do meu trabalho estejam abrindo frestas para a carência de incertezas e inseguranças, para uma atração misteriosa, intrigante. Voltei a escrever um diário, não estão vendo? Que coisa mais adolescente, mais idiota, e mais íntima e salvadora neste meu momento.
Relendo o que escrevo, espero retornar a sanidade para perceber que um simples sorriso, ou palavras educadas não traduzem que alguém está interessado em você. Preciso mais do que isso. Mas não posso, não posso embarcar nesse rio e até, quem sabe, desaguar nesse mar. Tenho um medo enorme de me afogar.

sábado, 22 de agosto de 2009

CODA - Monólogo de Fabio Gradel

- Mia bambina... Não sei bem como ou por onde começar, mas não tenho muita escolha. Então é melhor andar logo com isso. Não me leve a mal, mas como você já deve ter percebido, não tenho tempo a perder.

Me desculpe por sair assim da sua vida, ‘presto com fuoco’. Culpa das circunstâncias. Espero que entenda e me perdoe. Se bem que, lembra? Eu te dei alguns sinais. Mas você nunca me levou a sério... Vai ver que é porque rio de tudo. ... Até nessas horas.

Eu disse que ia sumir. Você achou que era piada ou brincadeira de mau gosto. Agora acredita em mim? Pra ser sincero, eu mesmo não tinha certeza, apesar dessa ‘coisa’ aqui dentro me dizendo que eu não ia demorar. Certeza é tudo que me resta. E, delas, nada me alegra mais neste momento do que saber que você não está do meu lado.

É engraçado como, de um momento pro outro, tudo pode mudar. O que parecia ser importante não vale mais nada, e vice-versa. Já teve essa sensação? Pra mim, a crise econômica não tem mais nenhuma importância. Tanto faz quem ganhou o jogo ontem, ou se o Flamengo vai ser campeão, dá pra acreditar? Terceiro mandato do Lula, aquecimento global, whatever... O que será, será. Importam-me agora outras coisas.

Senti um tremor agora, percorrendo meu corpo. Passou.

Não me importa o que virá. Mas, sim, o que já foi. E o que ainda é. O telefonema que ainda ecoa em nossos ouvidos. A piada já contada, mas ainda engraçada. A pasta à la carbonara que divido com a turma toda quarta-feira quando estou por aí. O pôr-do-sol no arpoador, depois de vigorosas pedaladas ao lado do Fernando, um privilégio. A gente não tem mesmo nada a provar pra ninguém, tamos no lucro.

Que som é esse, você ouviu? Parece a orquestra afinando os instrumentos, uma cacofonia que aos meus ouvidos sempre pareceu uma peça de Charles Ives. Você sempre acabava com a bagunça, dando o tom certo: lá maior. Mas aqui não tem lá, nem ré, nem dó. Só essa estranha sinfonia atonal. Mas, ainda assim, música.

Ah, a música... efêmera e eterna ao mesmo tempo! A quarta de Mahler. ‘Tudo’ de Mozart. Você estudando o violino, melodias de Bach misturadas com o burburinho da televisão. Minhas óperas, claro... E, evidente, o terceiro ato da ‘Tosca... “...O dolci baci, o languide carezze...”

Aliás, você há de convir, bem apropriado para este momento não é? Me sinto um pouco como o próprio Cavaradossi: cantando para as estrelas, a espera da execução.

Só que daqui não vejo estrela nenhuma. Só escuridão.

Me importam todas essas coisas, e muitas outras mais. Mas, principalmente, me importa você. Mas disso eu não preciso falar. Você já sabe.

Agora tudo escureceu. Foram as luzes que se apagaram, ou minha visão ficou turva? Está fazendo muito frio. Parece aquela noite em Viena, quando começou a nevar bem na hora que saíamos do ensaio final da orquestra. Você se chegou a mim, pra que eu esquentasse seu corpo. Peguei suas mãos e lhe disse brincando, “che gelida manina”... Eu e essa minha mania de citar árias de ópera! Mas era mentira, suas mãos não tavam assim tão frias.

Tem um homem do meu lado chorando muito. Queria consolá-lo, mas não sei o que dizer. Por que ele chora tanto? Estou meio confuso. Deve ser essa falta de ar que me acomete agora... Respiro, mas o ar não vem. E sem ar... nada vibra, nada acontece. Não posso mais desenhar no céu com a fumaça dos meus cubanos. E você sabe, nunca resisti a eles, principalmente acompanhado de um Nero D´Avola, melhor safra claro. Se esse é o preço a pagar por esses prazeres... é justo.

Acho que está chegando a hora. Será que você vai ouvir essa mensagem? Esse gravador vai resistir ao impacto? Não importa. Quem sabe ainda vamos rir muito disso algum dia, tomando um café em Paris. Uma outra Paris, diferente daquela aonde nem eu, nem ninguém nesse voo, iremos pousar.

Não sei quanto tempo ainda resta. Fecho os olhos e ouço a estrutura da aeronave gemer... ou é a afinação da orquestra? Estamos de novo naquela noite perfeita de inverno em Viena que nunca vai terminar. Te abraço mais uma vez. Sinto o calor de suas mãos, eternamente dentro das minhas.

É agora. Rufam os tambores! Um coro de duzentas vozes grita em uníssono. O barulho aqui dentro é quase insuportável. Preso ao assento, sinto meu corpo flutuar. Voar, morrer, deve ser assim. Va Bene...

Levanto uma batuta invisível e sorrio. Arrivederci, bambina. Minha próxima ópera vai começar.

(Dedicado a Silvio Barbato)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Tempos e movimentos, em processo

Tempos

por Valéria Motta

Movimento Um – a espera

A noite tomba morna e uma quentura escorre pelas paredes dos casarios de cor âmbar. Tudo parece fazer sentido naquelas ruas que espreitam a minha saudade. Esse tempo que congela no céu e gira como um catavento de ilusões. Dessa vez vai ser diferente, tenho certeza. E sigo... com o barulho do meu salto no chão de pedras. Acreditando sempre na surpresa da esquina, no beijo roubado e no gosto dela que nunca saiu de mim. Ah... como ainda é manhã aqui no meu colo, este sentimento enlaçe na cama amassada de lençol, as coxas que se enroscam, brincam e a língua cheirando a borra de café. Como queria ainda estar no ontem, e não neste agora soturno de espera... compasso que parece ter esquecido do fim. Sim, há sempre um fim em tudo, mesmo quando a vista embaça num rosa bebê que gradua para o shock , cor da intimidade mais feminina. Verbo que só quer saber de conjugar para a segunda pessoa. Tu e eu... nós e o fosso de mistérios que desfolho, brinco e me entrego. Caminho ainda e já vejo a noite pelos becos me encarando com um sorriso melífluo nos lábios, rindo-se toda. Mas minha boca doente de amor, não entendeu o recado e seguiu em frente até chegar ao destino. A mesa , o vinho, o relógio que insiste em ir para frente, as pessoas que insistem em ir para trás. Noite cada vez mais funda, cada vez mais nada... cada vez mais certeza.... certeza que não quero ver. Verbo que perdeu a voz, pessoa que não vem mais.

Movimento Dois – a dor

O céu se espreguiça em matizes cheias de mágoa. Tudo sentimento vazio, olho que incha, mão que crispa, corpo que treme em desamparo. Criança que caiu do balanço e se despediu de mim. Nunca a dor me foi tão vasta como uma aurora triste que insiste em me consolar e dizer baixinho: calma que passa. Passa nada! No máximo tira férias e depois volta no meio do sono, a agitar os sentidos e cobrar seu preço. E o preço segue sempre a mesma equação: raiva, elevada à dúvida e dividida pelo perdão. Resultado? Um ponto no infinito, uma solidão feita de zeros.
Choro e só lamento este vazio cheio de vãos. E juro nunca mais me enganar assim.

Mas ela podia ter dado um sinal... qualquer um. Pelo menos para ver meu peito inchar de dor, querendo a vastidão do colo dela.
Saudade é uma palavra que não deveria existir. Só faz mal.


Movimento Três –­ o salto

Tarde cálida, abrasadora, de fazer fios d´água escorrerem pela nuca. Caminho com minhas saias esvoaçantes e tento sorrir. Como se tudo já estivesse no seu devido lugar, meu armarinho de desejos trancados. Mas a memória trai com tanta precisão que nada me escapa. Primeira cruzada de perna, pedido de desculpas, mão que só sabe roçar suavemente... e depois, cerrar de olhos, narinas abertas, pulsos fortes e risadas frouxas. Intimidade de iguais. Tudo sucumbindo àquelas dobradiças cheias de carne. Nunca pensei que amar uma mulher fosse esse salto de trapézio. E agora? Onde me agarro?

Sigo caindo e imaginando o meu amanhã... sem rede, sem prato na mesa e sem cigarros amassados.

Movimento Quatro – a vítima

Cruzo com gente que nem imagina o que posso fazer com elas. Sempre fui mestre em devorar instintos, seduzir simplesmente. Sei o que as pessoas querem ouvir e dou a elas este direito. E só. O resto é presa, tombo, diversão. A rede quem puxa sou eu... mas no final da esquina nenhuma luz aquece o meu rosto, nenhuma língua me excita. Só respiro o ar pesado das minhas presas e sigo em becos como bicho acuado. E se não fui àquele encontro é porque sou fiel a minha natureza. Depois que marco...perde a graça.
Chuva em poças

Por Valéria Motta

Chove nesta imensidão de águas turvas. Poças que enxovalham minha cabeça exausta. Exausta de pensar. E se não estivesse mais aqui? E se continuasse do ponto que parei... na vírgula daquele entreato? Sigo nesta pauta frágil com meus velhos rabiscos, cheios de letras amareladas, amores doídos, frases não ditas. Feneço fresta a fresta cada palavra lida e lembro daqueles desencontros tontos que sempre me disseram não venha. Mas fui em todos, com maxilar aguado de paixão, boca trêmula e o sexo em concha. Furei ondas, busquei o fundo de todas as intenções e fraquejei ao sentir a espinha serpentear como um bicho que se esconde rapidamente. Movimento brusco que nem a retina capta. Tão réptil... E neste átimo, apenas sensação de que algo escorreu por entre os dedos. Sangue que rompe, se esvai... num lamento agudo. E com os pés machucados pela agonia, sentei no meio fio da chuva e chorei com as mãos em prece cada silêncio teu. A cama dividida pelo seu dorso pesado, o descompasso da dúvida e a boca selando na macaneta da porta o frisson da despedida. Perna bamba, suór, respiração exata, corpos encaixados, ganidos e pequenas mortes. Assim segui nesta ciranda de trocados , onde qualquer gesto tinha valia e toda palavra tinha sua sonoridade. Bastava sussurrar e tudo se perdoava naquela paixão que insistia em habitar meu corpo.. Paixão de deliciosas armadilhas.
Mas hoje, deixo o barulho da água apenas pontuar meu chão e sigo mais oca de mim. O aquietamento do horizonte me orienta com sua plenitude... não temo as ondas e nem as choro mais. Somente carrego algas enfeixadas de afetos, dedos entrelaçados e um leve frescor nos lábios.

NOVO GESTO DE AMOR, TEXTO FINAL

NOVO Gesto de amor
por Valéria Motta
O TEXTO DELA NA VOZ DELE

Bastou um gesto dela para tudo incendiar. A noite virada em copos, risco na pia, cama suada, riso frouxo. Será que vai ser para valer? Só temos madrugada, aurora e o desejo ainda vibrando como corda. Tudo tão tenso, leviano... adolescente neste meu quarto que cheira a tantos prantos. Estranho como tudo é uma questão de ângulo. Daqui vejo seus peitos inchados e meu sexo ardendo. Sorrio e te como mais. Muitas vezes... com o esforço do corpo pedindo: não me abandona, mas segura minha mão e aperta mais a minha bunda. Gosto de sentir que enfio forte. Seja minha com suas unhas feitas. Sei que não posso te reter, mas preciso do escuro dos teus olhos, esses dedos que desenham minha espinha, me faz levitar. Não quero me atirar pela janela sozinho. E se você resolver me dar a mão? Rasgar meu pulso e se misturar com a minha loucura. O que faço? Sinto que seu corpo saiu anestesiado e feliz. Um ronco de felicidade ainda ressoa pelas paredes. Pranto de prazer que inundou meus olhos depois que os seus escaparam pelo meio fio. Fazia tempo que não ria desse jeito, assim... jogado no leito. Você me devorou, se divertiu como uma menina. Tão sapeca com seus bigodes instantâneos que subiam e desciam como pestanas secretas a dizer: mergulho. E foi tão intenso que posso sentir o leite escorrendo pelas pernas. Como vou te encontrar agora? Por que fujo sempre, com este misto de vergonha e liberdade? Não quero te perder, mas o rumo do meu prazer sempre foi torto. Armadilha do destino? Talvez. Só queria que hoje, a noite me fosse generosa como uma puta velha que conduz meus sapatos para àquele mesmo beco cheio de escadarias risonhas. E eu subiria calmamente os degraus, puxaria sua mão para dentro das minhas calças, deixaria a saliva escorrer pelos tacos, a porta entreabrir, os pêlos eriçarem e ser seu e somente seu mais uma vez.








GESTO DE AMOR
O TEXTO DELE NA VOZ DELA

Saio com roupa de ontem, cigarro amassado e olheiras cheias de sexo. Respiro uma lufada de ar que vem da janela deste ônibus. Sim, meu rosto está enrubescido, posso sentir o calor... calor que só sentira até meus dezessete anos. E vejo o trocador dando aquele sorrisinho indecente enquanto conta notas por entre os dedos. A vadiagem foi boa sim. Não nego o sorriso cheio de gozo e a preguiça do corpo. Meu divertimento não teve fim. Terá? Ainda é cedo para saber. Parti daquele quarto úmido como sempre parto, sem olhar para trás. Só sentindo no vão da nuca, seu ronco pesado, sua dor e seu sexo encolhido. Meu peito ainda guarda o mormaço da sua boca. Acho que queria me dizer alguma coisa, nem sei se respondi. No fundo sou tímida, mas confesso que na hora não pensei em nada. Se ia aparecer gente naquele quarto, se ele tinha namorada – todos tem em algum momento da madrugada. Nada me importava. Só o tesão e este tinha endereço certo. Beco da Glória, 35, terceiro andar. Agora, meu quadril pressiona o chão com suas dúvidas. Será que vai voltar naquele bar? Daria tudo para sentir aquele cheiro de barba azulada. Meio acre, meio mel. Lixa suave que eriçou meus poros deixando ranhuras cor da noite. Ainda posso senti-la bem aqui na clavícula. Tão delicado. E abrigo na retina, seu sexo cheio de veias saltadas a me ser oferecido no mais absoluto silêncio. Devorei ávida com a sede da flor mais pura. E vi, extasiada, cabeça caindo para trás, boca entreaberta, olhos cerrados, gozo espesso e unhas vermelho sangue cravadas no seu dorso. Defini território e chupei sua carne com a intimidade das manhãs. Será amor de verdade? Não sei, mas quero ainda o desejo riscando o chão e incendiando pernas. Só assim fico rendida para sempre. Agora, só resta achar seu rastro e segui-lo de novo.

reunião de porteiros - exercício

OS INCOMPREENDIDOS

por Valéria Motta

JURANDIR — O negócio é fazer que nem qui si faz nos filme. Tem qui boicoitá.
SEU ZÉ — Éh... boicoitá sim.
SELENES — Ocê qué dizer que si as madame impricarem com meu jeito de falá, vou tê que virar a cara pra elas, é?
SEU ZÉ — Tem que virá sim. Num tem, Jurandir?
SELENES — Mas elas já viram quando o pundinho queima. Dona Margô intão...E ói que faço tudo na continha certa. Mas num vinga, num sei porquê.
CREUZA — É porque tu é lesa, Selenes.
JURANDIR — ô minha hente, num vamos desviá do assunto. Nóis tem que se concentrá no boicoti.
SELENES — Explica isso. Seu Jurandir.
JURANDIR — É simples. Elas num veve chamando a hente pra fazê de um tudo? Intão? Vamos mostrar que inquanto num tratá nóis bem, nóis num fala com elas. Pronto.
SELENES — Sabe qui até que é bom? Num tê precisão de falar com aquela posuda da dona Margô? Taí gostei.
CREUZA — Mas é uma idéia muito da besta mêmo. Num falar com os patrão da gente só porque eles num intendem o que nóis diz.
SEU ZÉ — Intendi não. Éeeeuuu mesmo vivo tendo que repeti as coisa toda hora.
CREUZA — Muito sol na moleira dá nisso Zé.
SELENES — Num fala assim com o pobre. O coitado sofre lá na portaria. As madame ri dele que só.
CREUZA — Também....
SELENES — E ri d´ôce também que já vi, tá?
CREUZA — Qual foi a cabra da peste que fez isso pelas minha costa?
JURANDIR — Calma, hente. Assim nóis num chega a lugar nenhum. Por isso que tô falando que o negócio é dar o troco neles. Não intendei nóis, nóis também num intendi eles.
CREUZA — Por mim descia logo a pexera e cortava a língua deles toda. Melhor do que essa bestagem de boicoti.
SELENES — Creuza qué pára de garrá implicrância com seu Jurandir! Ele tá cobertinho de razão.
CREUZA — Sei bem onde vai dar essa razão. Vai dar é na rua!
DOCINHO — Mas que pataquada é essa aqui?
JURANDIR — (P/S) Ai, meu sinhô do Bonfim...
DOCINHO — Num vai saindo assim na surdina não, peludão.
SEU ZÉ — Peludão?
SELENES — Pata o quê?
CREUZA — Que raio de coiso é essa?
DOCINHO — Fala, Peludão! Fala!
JURANDIR — Docinho... veja bem. Aqui num é hora nem lugar...
DOCINHO — Num é isso que tu diz na hora do bem bom, Juranda... e além do mais, minha fase festa no arraiá, já foi! Já foi! Manda esse povo pular fogueira em outro lugar, manda!
SELENES — Meu Jesus cristinho!Credo em cruz três vez!
SEU ZÉ — Ela é a mulher de tromba do seu Jurandir?!
DOCINHO — Sou sim, mona! Por que ?
CREUZA — Agora que lascou de vez.

A parede - exercício por Valeria Motta

EXERCÍCIO - A PAREDE
Valeria Motta

P. — Tem sempre gente aqui. E lugares que adoraria conhecer. Mas aqueles olhos me encaram incessantemente, como se quisessem me impregnar com seus sonhos e esperanças. Nossa como gostaria de poder descansar um pouco, apagar a luz, respirar em silêncio. Mas esses desejos que vagueiam em cores furtivas não me deixam em paz. Nunca. Dia após dia, as mesmas conversas cochichadas e as imagens incessantes desfilando em cima de mim. Confesso que me sinto uma parva. Por que só me oferecem a retina de vocês? E não o tato quente, o calor da pele. Um toque me faria tão feliz. Mas me sinto tão vazia, tão nua,mesmo quando me vestem com o sorriso e a dor do mundo. Quem dera pudesse pegar esta bicicleta aqui e rumar por qualquer infinito. Entrar em algum mundo que me dê movimento. Qualquer um. Mas não, minha condição é tão plana e imensa. Como uma folha de papel que só desenha no céu dos outros. Pois o meu, é lugar nenhum, é branco que envolve e ninguém percebe.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pequenas Vilanias

Pequenas vilanias

Por Valéria Motta


Eu posso dizer que não agüento mais, que o ponto do vértice é logo ali. A me espreitar. Firme, inquisidor. E tudo torna-se , por um instante, aprisionamento. Vontade de escapulir do beco, o olho de soslaio que escorrega pela pálpebra e faz sua estréia no mundo dos desejos. E sonhar de olhos abertos, sem embaçar a retina, sem vitrificar os movimentos. Simplesmente sonhar...

Só que o vértice, é o vértice. E nos sentimos imprensados, sem a grandeza da perspectiva. O co-ti-di-a-no segue intenso, como gota grossa na nuca. Pesada, correndo no rumo que achamos que se deve ter. Seguro, segurança e todo este naipe de tópicos que nos etiquetam na mente – e tem lá suas razões. Para onde ir? Quando chegamos na beirada e depois....o nada, o absoluto abismo? Escada sem degrau, cansaço, Simplesmente cansaço. E aquela vontade de revidar. Como moleque de rua, como criança que não leva desaforo para casa. A porção nossa de lavanderia nos dê hoje, o grito. O berro, o despejo dos nódulos encrustados. Anos a fio na navalha do bom senso. E para quê? Para quem?

Então sigo...a cabeça em chamas.....a coluna em frangalhos.....os olhos baços. Como quebrar sem trincar? Reverter a chave? Respiro profundamente. Deixo o ar sair sonoro, intenso ...quase bafo.....a panela de pressão sibila. É hoje que transbordo.

Sério. Ponho pra fuder. Chega de diplomacia, de: desculpa , se... mas, é que....Chega de conjugar tudo no condicional.....tanta politesse..e daí?

Vamos lá, coragem. Depois abismo, salto livre.
( ok, pelo menos esborracho mais leve)

Hoje , não tem escapatória. Tolerância zero, um dia de fúria.

Então.... respiro.... espreguiço...

Acordo sozinha novamente, a casa um pouco espalhada. Cara amassada, xixi intenso, vontade morna. E a pasta que cai no chão, a válvula meia bomba, o vazo que quase entope. Enche no limite, pára e ... ufa, não foi dessa vez. Quase tudo tem sido assim neste últimos tempos. Alívio e desilusão. Por pouco, escapo de uma fofoca na rádio corredor, por um triz não transformo minha vida econômica numa bola de neve, por um gole a menos, não paro no hospital com dor na boca do estômago... boca que sangra a cada vez que digo para mim mesma: ainda não foi dessa vez....

E um fio amargo escorre no canto dos olhos. Como fui capaz de não reagir? Enquanto a carne tremia de raiva?! . Rejeição fez do meu café... frio gélido.

O telefone toca, cortando a minha realidade – e já consigo entende o significado disto? Ensaio o texto... respiro fundo, tento segurar as palpitações na minha mão...mas ...rebate falso. É a insuportável mulher do telemarketing, com sua voz falsamente doce e monocórdica me perguntando o que acho dos serviços do banco tal, se estou satisfeita com os serviços do banco tal e mesmo que eu diga que nada me satisfaz, que os serviços do banco tal são uma bosta, que as tarifas são um assalto e que os cartões que me mandam , sem eu pedir, é claro, vão para o lixo; assim mesmo, a insuportável me ignora solenemente e segue em frente com seu discurso ensaiado. Aí, desligo o telefone na cara dela com um sonoro e polifônico: Foda-se, foda-se, foda-se

Mas isso...eu não fiz não com ele. Alguém sempre paga o pato. A verdade é que não tive coragem de ligar para cobrar os serviços que ele me prometeu.....

Quer ser minha namorada?
A gente faz tudo muito bem...saudades
Estou louco para te dar um beijo
Para os anais: a orquestra de passarinhos e você. Estou no céu.


e não cumpriu.

“ Desculpe estar escrevendo, mas este é o meu ofício. O problema é comigo. Pessoas certas na hora errada. Você é uma pessoa maravilhosa, mas não consigo te amar. Amigos?”.

E a última imagem: beijo na soleira da porta...beijo de cinema, de entrega ..de não fuja de mim.....


Ridículo. O sofrimento é ridículo.


Então me resta co-ti-di-a-no. O lugar comum do nada como um dia atrás do outro. O trabalho que enobrece – quem inventou esta mentira, por favor? – o cara que não te merecia e tantas outras palavras de consolo. Acho que preciso de um, este salutar parque de diversões - daqueles que tocam música, vibram para cima e para baixo, no sentido horário e anti-horário. Quem sabe se depois do corpo exausto e da alma exangüe, acerto as contas?

E por que depois? E a tolerância zero? Cadê a minha obstinação? Foi pelo ralo? Virou figura de retórica? É agora que ponho a roda no mundo, que giro o meu desejo sem pudor algum. Machucou? Vai pagar. Agora tenho um motivo, um único e somente um para sair deste estado morno e inflamar. De vez.

Com todos. Não quero nem saber.

Operação sou mais eu, começa agora. Pisar de salto alto, sentindo os artelhos, a pressão dos dedos no chão. O meio-círculo da síndrome da pequena autoridade. Com aquele leve sorriso na ponta dos lábios, um esboçar de: e agora, meu caro? Como vai ser? Não tenho muita coisa, mas tenho pose, muita pose. E do alto dela, proclamo: o desejo é meu. Quero homens entumescidos, com o pau na linha do umbigo. Quero homens publicamente escondendo suas vergonhas, sem jeito, sem saber onde enfiar as mãos. Quero dizer a hora de entrar e de sair, de limpar com as costas das mãos, o gosto acre do gozo. E escolher quem tomba na minha cama, quem sai da minha noite e me relaxa o dia. E não mais tanta compreensão – pois ela só me fez criar vincos e cabelos duros e negros na ponta do queixo.
O espelho libera o narciso e o perfume veste as carnes expostas. A noite é insone e o dia marcação de território.

Martelo como numa cantilena amarga: nada de amiga, de colega, de companhia. Mulher em bando é prejuízo. Nunca fui gregária mesmo. A liberdade mora na solidão.

Um banho batismo, um café que me excite... e o roupão que acaricia. Pausa no espaço que ainda revela a nossa memória. Palavras, gestos, o ar com peso e medida. Tudo me lembra qualquer coisa e qualquer coisa é fraquejar... Um cheiro sobe, agudo. Vem do meu sexo...é fertilidade...eu sei...e ela, hoje, não me adianta de nada. A ultima vez foi como não saber o que dizer...então, despedida cruel. A anca exposta, o encaixe atabalhoado, nervoso, a cama e a fenda separando tudo...o sono interrompido...o cuidado que não se teve. Intuição é o pior castigo que uma mulher pode ter.

Merda.... café no roupão alvo. Maneira tola de emergir. Hora de partir de mim mesma, ser o lado mais sombrio, onde o desejo turva e a boca saliva. A raiva move os meus cílios em silêncio, umedece o canto da boca. Prometo em tom menor: o prazer será sempre todo e o todo só sempre para mim.

Fácil dissimular quando tudo é só brincar de marionete. Pronto. Acabou a brincadeira.