quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Tempos e movimentos, em processo

Tempos

por Valéria Motta

Movimento Um – a espera

A noite tomba morna e uma quentura escorre pelas paredes dos casarios de cor âmbar. Tudo parece fazer sentido naquelas ruas que espreitam a minha saudade. Esse tempo que congela no céu e gira como um catavento de ilusões. Dessa vez vai ser diferente, tenho certeza. E sigo... com o barulho do meu salto no chão de pedras. Acreditando sempre na surpresa da esquina, no beijo roubado e no gosto dela que nunca saiu de mim. Ah... como ainda é manhã aqui no meu colo, este sentimento enlaçe na cama amassada de lençol, as coxas que se enroscam, brincam e a língua cheirando a borra de café. Como queria ainda estar no ontem, e não neste agora soturno de espera... compasso que parece ter esquecido do fim. Sim, há sempre um fim em tudo, mesmo quando a vista embaça num rosa bebê que gradua para o shock , cor da intimidade mais feminina. Verbo que só quer saber de conjugar para a segunda pessoa. Tu e eu... nós e o fosso de mistérios que desfolho, brinco e me entrego. Caminho ainda e já vejo a noite pelos becos me encarando com um sorriso melífluo nos lábios, rindo-se toda. Mas minha boca doente de amor, não entendeu o recado e seguiu em frente até chegar ao destino. A mesa , o vinho, o relógio que insiste em ir para frente, as pessoas que insistem em ir para trás. Noite cada vez mais funda, cada vez mais nada... cada vez mais certeza.... certeza que não quero ver. Verbo que perdeu a voz, pessoa que não vem mais.

Movimento Dois – a dor

O céu se espreguiça em matizes cheias de mágoa. Tudo sentimento vazio, olho que incha, mão que crispa, corpo que treme em desamparo. Criança que caiu do balanço e se despediu de mim. Nunca a dor me foi tão vasta como uma aurora triste que insiste em me consolar e dizer baixinho: calma que passa. Passa nada! No máximo tira férias e depois volta no meio do sono, a agitar os sentidos e cobrar seu preço. E o preço segue sempre a mesma equação: raiva, elevada à dúvida e dividida pelo perdão. Resultado? Um ponto no infinito, uma solidão feita de zeros.
Choro e só lamento este vazio cheio de vãos. E juro nunca mais me enganar assim.

Mas ela podia ter dado um sinal... qualquer um. Pelo menos para ver meu peito inchar de dor, querendo a vastidão do colo dela.
Saudade é uma palavra que não deveria existir. Só faz mal.


Movimento Três –­ o salto

Tarde cálida, abrasadora, de fazer fios d´água escorrerem pela nuca. Caminho com minhas saias esvoaçantes e tento sorrir. Como se tudo já estivesse no seu devido lugar, meu armarinho de desejos trancados. Mas a memória trai com tanta precisão que nada me escapa. Primeira cruzada de perna, pedido de desculpas, mão que só sabe roçar suavemente... e depois, cerrar de olhos, narinas abertas, pulsos fortes e risadas frouxas. Intimidade de iguais. Tudo sucumbindo àquelas dobradiças cheias de carne. Nunca pensei que amar uma mulher fosse esse salto de trapézio. E agora? Onde me agarro?

Sigo caindo e imaginando o meu amanhã... sem rede, sem prato na mesa e sem cigarros amassados.

Movimento Quatro – a vítima

Cruzo com gente que nem imagina o que posso fazer com elas. Sempre fui mestre em devorar instintos, seduzir simplesmente. Sei o que as pessoas querem ouvir e dou a elas este direito. E só. O resto é presa, tombo, diversão. A rede quem puxa sou eu... mas no final da esquina nenhuma luz aquece o meu rosto, nenhuma língua me excita. Só respiro o ar pesado das minhas presas e sigo em becos como bicho acuado. E se não fui àquele encontro é porque sou fiel a minha natureza. Depois que marco...perde a graça.

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