terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pequenas Vilanias

Pequenas vilanias

Por Valéria Motta


Eu posso dizer que não agüento mais, que o ponto do vértice é logo ali. A me espreitar. Firme, inquisidor. E tudo torna-se , por um instante, aprisionamento. Vontade de escapulir do beco, o olho de soslaio que escorrega pela pálpebra e faz sua estréia no mundo dos desejos. E sonhar de olhos abertos, sem embaçar a retina, sem vitrificar os movimentos. Simplesmente sonhar...

Só que o vértice, é o vértice. E nos sentimos imprensados, sem a grandeza da perspectiva. O co-ti-di-a-no segue intenso, como gota grossa na nuca. Pesada, correndo no rumo que achamos que se deve ter. Seguro, segurança e todo este naipe de tópicos que nos etiquetam na mente – e tem lá suas razões. Para onde ir? Quando chegamos na beirada e depois....o nada, o absoluto abismo? Escada sem degrau, cansaço, Simplesmente cansaço. E aquela vontade de revidar. Como moleque de rua, como criança que não leva desaforo para casa. A porção nossa de lavanderia nos dê hoje, o grito. O berro, o despejo dos nódulos encrustados. Anos a fio na navalha do bom senso. E para quê? Para quem?

Então sigo...a cabeça em chamas.....a coluna em frangalhos.....os olhos baços. Como quebrar sem trincar? Reverter a chave? Respiro profundamente. Deixo o ar sair sonoro, intenso ...quase bafo.....a panela de pressão sibila. É hoje que transbordo.

Sério. Ponho pra fuder. Chega de diplomacia, de: desculpa , se... mas, é que....Chega de conjugar tudo no condicional.....tanta politesse..e daí?

Vamos lá, coragem. Depois abismo, salto livre.
( ok, pelo menos esborracho mais leve)

Hoje , não tem escapatória. Tolerância zero, um dia de fúria.

Então.... respiro.... espreguiço...

Acordo sozinha novamente, a casa um pouco espalhada. Cara amassada, xixi intenso, vontade morna. E a pasta que cai no chão, a válvula meia bomba, o vazo que quase entope. Enche no limite, pára e ... ufa, não foi dessa vez. Quase tudo tem sido assim neste últimos tempos. Alívio e desilusão. Por pouco, escapo de uma fofoca na rádio corredor, por um triz não transformo minha vida econômica numa bola de neve, por um gole a menos, não paro no hospital com dor na boca do estômago... boca que sangra a cada vez que digo para mim mesma: ainda não foi dessa vez....

E um fio amargo escorre no canto dos olhos. Como fui capaz de não reagir? Enquanto a carne tremia de raiva?! . Rejeição fez do meu café... frio gélido.

O telefone toca, cortando a minha realidade – e já consigo entende o significado disto? Ensaio o texto... respiro fundo, tento segurar as palpitações na minha mão...mas ...rebate falso. É a insuportável mulher do telemarketing, com sua voz falsamente doce e monocórdica me perguntando o que acho dos serviços do banco tal, se estou satisfeita com os serviços do banco tal e mesmo que eu diga que nada me satisfaz, que os serviços do banco tal são uma bosta, que as tarifas são um assalto e que os cartões que me mandam , sem eu pedir, é claro, vão para o lixo; assim mesmo, a insuportável me ignora solenemente e segue em frente com seu discurso ensaiado. Aí, desligo o telefone na cara dela com um sonoro e polifônico: Foda-se, foda-se, foda-se

Mas isso...eu não fiz não com ele. Alguém sempre paga o pato. A verdade é que não tive coragem de ligar para cobrar os serviços que ele me prometeu.....

Quer ser minha namorada?
A gente faz tudo muito bem...saudades
Estou louco para te dar um beijo
Para os anais: a orquestra de passarinhos e você. Estou no céu.


e não cumpriu.

“ Desculpe estar escrevendo, mas este é o meu ofício. O problema é comigo. Pessoas certas na hora errada. Você é uma pessoa maravilhosa, mas não consigo te amar. Amigos?”.

E a última imagem: beijo na soleira da porta...beijo de cinema, de entrega ..de não fuja de mim.....


Ridículo. O sofrimento é ridículo.


Então me resta co-ti-di-a-no. O lugar comum do nada como um dia atrás do outro. O trabalho que enobrece – quem inventou esta mentira, por favor? – o cara que não te merecia e tantas outras palavras de consolo. Acho que preciso de um, este salutar parque de diversões - daqueles que tocam música, vibram para cima e para baixo, no sentido horário e anti-horário. Quem sabe se depois do corpo exausto e da alma exangüe, acerto as contas?

E por que depois? E a tolerância zero? Cadê a minha obstinação? Foi pelo ralo? Virou figura de retórica? É agora que ponho a roda no mundo, que giro o meu desejo sem pudor algum. Machucou? Vai pagar. Agora tenho um motivo, um único e somente um para sair deste estado morno e inflamar. De vez.

Com todos. Não quero nem saber.

Operação sou mais eu, começa agora. Pisar de salto alto, sentindo os artelhos, a pressão dos dedos no chão. O meio-círculo da síndrome da pequena autoridade. Com aquele leve sorriso na ponta dos lábios, um esboçar de: e agora, meu caro? Como vai ser? Não tenho muita coisa, mas tenho pose, muita pose. E do alto dela, proclamo: o desejo é meu. Quero homens entumescidos, com o pau na linha do umbigo. Quero homens publicamente escondendo suas vergonhas, sem jeito, sem saber onde enfiar as mãos. Quero dizer a hora de entrar e de sair, de limpar com as costas das mãos, o gosto acre do gozo. E escolher quem tomba na minha cama, quem sai da minha noite e me relaxa o dia. E não mais tanta compreensão – pois ela só me fez criar vincos e cabelos duros e negros na ponta do queixo.
O espelho libera o narciso e o perfume veste as carnes expostas. A noite é insone e o dia marcação de território.

Martelo como numa cantilena amarga: nada de amiga, de colega, de companhia. Mulher em bando é prejuízo. Nunca fui gregária mesmo. A liberdade mora na solidão.

Um banho batismo, um café que me excite... e o roupão que acaricia. Pausa no espaço que ainda revela a nossa memória. Palavras, gestos, o ar com peso e medida. Tudo me lembra qualquer coisa e qualquer coisa é fraquejar... Um cheiro sobe, agudo. Vem do meu sexo...é fertilidade...eu sei...e ela, hoje, não me adianta de nada. A ultima vez foi como não saber o que dizer...então, despedida cruel. A anca exposta, o encaixe atabalhoado, nervoso, a cama e a fenda separando tudo...o sono interrompido...o cuidado que não se teve. Intuição é o pior castigo que uma mulher pode ter.

Merda.... café no roupão alvo. Maneira tola de emergir. Hora de partir de mim mesma, ser o lado mais sombrio, onde o desejo turva e a boca saliva. A raiva move os meus cílios em silêncio, umedece o canto da boca. Prometo em tom menor: o prazer será sempre todo e o todo só sempre para mim.

Fácil dissimular quando tudo é só brincar de marionete. Pronto. Acabou a brincadeira.

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