terça-feira, 18 de agosto de 2009

Gesto de amor, exercício de vozes

gesto de amor

EXERCÍCIO DE VOZES
por Valéria Motta


O TEXTO DELA NA VOZ DELE

Bastou um gesto dela para tudo incendiar. A noite virada em copos, o risco na pia, a cama suada, o riso frouxo. Será que vai ser para valer? Mas ela não me dá uma pista. Só temos madrugada, aurora e o desejo ainda vibrando como corda. Tudo tão tenso, leviano... adolescente neste meu quarto que cheira a tantos prantos. Estranho como tudo pode mudar de acordo com o ângulo. Daqui vejo uma garota com picos hormonais e seus peitos inchados. E o meu sexo ardendo com a boca salivando desejos. Não queria te querer, te como mais. Muitas vezes... e o esforço do corpo pede: não me abandona, mas segura minha mão e aperta mais a minha bunda. Gosto de sentir que enfio forte. Seja minha com suas unhas feitas e saia da minha vida. Não posso reter você em mim, mas preciso do escuro dos teus olhos, esses dedos que desenham minha espinha, me faz levitar. Não quero me atirar pela janela sozinho. E se você resolver me dar a mão? Rasgar o meu pulso e se misturar com a minha loucura. O que faço? Sinto que seu corpo saiu inerte, feliz. Um ronco de felicidade ressoa pelas paredes. Pranto de prazer que inundou meus olhos depois que os seus escaparam pelo meio fio. Fazia tempo que não ria desse jeito, sentindo o corpo jogado no meio do leito. Você me devorou, se divertiu como uma menina. Tão sapeca com seus bigodes instantâneos que subiam e desciam como pestanas secretas a dizer: mergulho. E foi tão intenso que ainda sinto o leite escorrendo pelas pernas. Gozo farto que quero reter como o cheiro acre das suas ancas. Saio com a roupa de ontem e o cigarro amassado, mas sei que tenho olheiras cheias de sexo que pululam pela minha retina. Respiro uma lufada de ar que vem da janela deste ônibus. Sim, meu rosto está enrubescido, posso sentir o calor... calor que só sentira até os meus dezessete anos. E o trocador me dá aquele sorrisinho cúmplice enquanto conta as notas por entre os dedos. Vadiagem boa, né doutor? Assento, claro. Não tenho como negar o sorriso cheio de gozo, o corpo que se espreguiça de uma boa farra. Um divertimento que parecia não ter mais fim. Terá? Ainda é cedo para saber, mas parti como sempre parto, sem olhar para trás. Só sinto no vão da nuca, seu ronquinho macio, sua dor e seu sexo oferecido. Como vou te encontrar agora? Por que fujo sempre, com este misto de vergonha e liberdade? Não quero te perder, mas o rumo do meu prazer sempre foi torto. Mais uma armadilha do destino? Talvez... mas hoje só queria que a noite me fosse generosa, como uma puta velha que conduz meus sapatos para aquele mesmo beco cheio de escadarias risonhas. E eu subiria calmamente os degraus, puxaria sua mão para dentro das minhas calças, deixaria a saliva escorrer pelos tacos, a porta entreabrir, os pêlos eriçarem e ser seu e somente seu mais uma vez.

GESTO DE AMOR
O TEXTO DELE NA VOZ DELA

Nossa que noite! Como podia ser tão viril e inteligente. Teve classe até para ir embora. Não encheu o saco, não quis saber da minha vida nem entramos naquele romantismo barato de fazer planos para o futuro. Seria demais para uma noite que mal começou. Terá fim? Não sei. O peito ainda sente o calor da boca dele. Acho que queria me dizer alguma coisa, mas estava tão louca que nem sei se respondi. Também, nunca fui de falar muito. No fundo sou tímida... é sério! Mas esse me pegou de jeito. Confesso. Na hora não pensei em nada, se ia aparecer gente naquele quarto, se ele tinha namorada – todos tem uma em algum momento da madrugada. Nada me importava. Só o tesão e esse tinha endereço certo. Beco da Glória, 35, terceiro andar. Será que ele vai dar as caras no bar hoje? Porque daria tudo pra me perder com ele de novo, sentir aquele cheiro de barba azulada. Meio acre, meio mel. E a textura? Uma lixa suave que eriça meus poros... deixando ranhuras cor da noite. Ainda posso senti-las bem aqui na nuca. E o sexo dele entrando na minha boca? Cheio de balanço, com a circunferência certa. Já tinha até esquecido de como era bom essa coisa de encaixe. É outra categoria. O Carlinhos da vídeo locadora bem que podia rever os conceitos dele. Essa coisa de vem cá gatinha, chupa aqui cansa, às vezes. Bom é quando ele se oferece no mais absoluto silêncio. Como uma reverência. Só assim me entrego de verdade. E tudo ganha malemolência. Casal tem que ter malemolência. Mas não negar que curto o Carlinhos. Coitado já segurou muito porre meu. Sei que fico muito chata nessas horas soturnas. É como uma TPM elevada ao cubo. Duro de agüentar. Tudo bem, o Carlinhos tem sua serventia, é só tamponar os ouvidos e exercitar a pélvis. Mas com esse, sei lá... fiquei acesa. Parecia que tinha 15 anos! Não queria parar, só queria dar prazer para o meu homem, como uma libertina. E ele gostou, até chorou olhando no meu olho. Não é qualquer um que faz isso. Já disse que sou tímida, mas percebo as coisas. E esse tremeu de um jeito muito diferente em cima de mim. Tinha outro ritmo. Parecia que os sexos falavam, que a pele se entrelaçava. Até as paredes do quarto ficaram úmidas, embaçadas com a dor do prazer. Confesso que fiquei extasiada ao ver sua cabeça caindo para trás, a boca entreaberta, os olhos cerrados, o gozo escorrendo pelo meu ninho. E nessa hora, não resisti. Cravei as unhas feitas de vermelho sangue no peito dele. Defini território e chupei sua carne com toda intimidade que a madrugada oferece. Tão lindo. Será que isso é amor de verdade? Vai ser pra valer? Se o chato do Carlinhos ligar vou dar uma desenchavada. Melhor, nem atendo. Aliás, não atendo nunca mais. Não tenho razão para me preocupar mais com isso. Além do mais não estou a fim de repetir aquela ladainha. Olha, você é uma pessoa maravilhosa, mas acontece que conheci um cara aí e... bom, sério, você merece alguém melhor do que eu. Tem homem que não entende essas coisas, quer saber o porquê de tudo. E mesmo quando sob tortura a gente fala, eles ficam putos. Ameaçam, perseguem, ligam de madrugada, xingam. Perturbam meses a fio, até que cansam. Carlinhos tem cara de que é desse tipo. Na hora não vai falar nada, eu sei. Mas vai bastar me ver com o gostoso de ontem para transformar a minha vida num inferno. Por isso digo, é melhor sumir sem deixar rastro. Agora, o meu homem podia, pelo menos, ter deixado um telefone, um contato. Será que perdi a porra do número dentro daquele táxi? Sai tão avoada. Ou eu meti dentro da minha calcinha naquela hora que resolvi fazer graça? Droga! Para quê fui inventar uma cretinice dessas! E se o papelzinho entrou lá dentro? Sim, porque o sexo engole tudo! A flor tem fome, sempre. Saco! E agora o que faço? Me agacho no box até tudo descer? Que maneira mais maluca de guardar um número... E se tentar lembrar do caminho que fizemos ontem? Tinha muita escadaria, mas degrau é tudo igual mesmo. Como vou distinguir um do outro? Será que crio coragem e volto naquele bar? E se ele estiver enlaçando outra cintura? Fico mais tímida ainda nessas horas. Será que ele vai me ignorar depois de tudo? Ou seus olhos vão entumescer de novo? Sabe ... queria o desejo riscando o chão para incendiar nossas pernas. E a roda giraria como gelo no copo, lânguido. E meus cabelos sorririam para os cachos dele, os dedos se entrelaçariam de novo e pronto. Fico rendida para sempre. Agora só preciso achá-lo de novo.

Valéria Motta

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